Passos
da Cruz
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por
Fernando Pessoa
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(1ª
publicação: 1916)
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Os catorze sonetos de Passos da Cruz (tantos quantos os passos da Via Dolorosa) constituem um conjunto fulcral na obra de Fernando Pessoa ortónimo (isto é, escrevendo sob o seu próprio nome). O poeta reconhece-se como um favorecido de Deus que lhe deu o génio; esse génio tem consequências (em particular a solidão num mundo que o não compreende), constitui um encargo, uma cruz! Pessoa crê-se confusamente pré-destinado: tem uma missão (civilizadora), mas ainda desconhece qual é ela. Só a descobrirá mais tarde e materializá-la-á em Mensagem. Tal como Tabacaria, Passos da Cruz é uma reflexão do poeta sobre si próprio e sobre o seu enquadramento e, à distância, tem, por isso, valor de carácter biográfico. Inclui, na minha opinião, alguns dos mais belos poemas de Fernando Pessoa. Os Passos da Cruz são, assim, os do próprio poeta que se vê como diferente das outras pessoas, único (Meu intuito gloriola com ter a árvore do meu uso o único pomo- Passo VII) mas também por isso solitário (Fada maliciosa ou incerto gnomo fadado (me) houvesse de não pertencer- Passo VII), avesso ao contacto físico (Ó tocadora de harpa, se eu beijasse teu gesto, sem beijar as tuas mãos!- Passo IV). Vê-se a si próprio imbuído de uma missão (Emissário de um rei desconhecido eu cumpro informes instruções de além- Passo XIII, ver também em Mensagem Terceiro Aviso e Tormenta) e por ser pré-destinado, sem autonomia (Não sou eu quem descrevo. Eu sou a tela e oculta mão colora alguém em mim.- Passo XI). Coexiste com ele a nostalgia de um tempo que foi e já não é (Hoje sou a saudade imperial do que já na distância de mim vi...- Passo VI; assalta-o a dúvida (Não sei se existe o Rei que me mandou.- Passo XIII),... Os Passos poderiam ser nomeados, tal como os poemas da Terceira Parte de Mensagem, mas como o autor não o fez, também não o farei. No entanto, note-se que, apesar de dispersos, existe um tronco comum aos poemas que, tal como a Terceira Parte de Mensagem, poderia justificar uma estruturação para além da sequencial dada pelo próprio poeta. Passos da Cruz é uma obra simbolista (chame-se-lhe paúlista, sensacionista ou outra coisa qualquer) e por isso requer uma interpretação global e individual de cada soneto. Deixarei a interpretação global a alguém mais esclarecido do que eu, e a individual à sensibilidade de cada um de vós- cada soneto despertará em cada leitor sensações estéticas, ideias, imagens, memórias,... de onde advirá a vossa interpretação. Poderia dar uma interpretação pessoal de cada soneto (tenho visto algumas bem herméticas e quanto mais incompreensíveis mais fáceis são de aceitar...) mas creio que isso colocaria baias à vossa fruição e vos tiraria o prazer inteiro de saborear as ideias por detrás das ideias, os sons das frases e das rimas e, last but not least, as contraditórias sintaxes de Pessoa que são uma das marcas do seu inimitável génio. Por isso restringir-me-ei a esclarecer o significado de algumas palavras menos vulgares e adiantar ideias sobre o sentido de algumas frases. Informo que sou apenas um engenheiro e portanto as minhas interpretações não são certificadas por diplomas literários mas tão só pelos estudos secundários num liceu com grandes professores de quem sempre fui mau aluno- também o meu trabalho se destina a estudantes a esse nível e, em particular, aos estrangeiros que estudam a língua portuguesa. Mesmo assim, espero que apreciem os Passos meus favoritos:
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Ler Mensagem anotada e comentada por mim |
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João
Manuel Mimoso
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Lisboa, 2007-07-11
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