Mensagem
 
 
por Fernando Pessoa
 
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  -ilustrada por Carlos Alberto Santos, e...
 
... anotada por João Manuel Mimoso
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  - Introdução a O ENCOBERTO
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A terceira parte de Mensagem tem como epígrafe "PAX IN EXCELSIS" (Paz nas Alturas) e o seu tema é o Quinto Império e O Desejado que há-de vir para torná-lo realidade. Tem três partes das quais a primeira ("Os Símbolos") trata da simbologia do tema: D.Sebastião, o rei que morreu na terra mas nasceu para o mito com a promessa (que outros firmaram por si) de voltar para conduzir a Nação à glória, O Quinto Império, O Desejado (aquele cuja vinda se aguarda com fervor), As Ilhas Afortunadas (o local fora do Espaço onde os mitos esperam para se concretizar); e O Encoberto (aquele que talvez já esteja entre nós mas ainda não se deu a conhecer).

A segunda parte de "O Encoberto", chamada "Os Avisos" é a de interpretação mais imediata, tratando daqueles que anunciam a vinda do messias português: O Bandarra (o único com o dom da profecia), o Padre António Vieira, e o próprio Fernando Pessoa que se refere a si próprio num poema sem nome que começa Escrevo meu livro à beira-mágoa.

Finalmente a terceira parte "Os Tempos" é uma sucessão arbitrária (em parte cronológica e em parte sociológica) de cinco ocasiões simbólicas representando épocas ou Tempos (em linguagem bíblica) antes do advento do Encoberto e do consequente estabelecimento do Quinto Império (que seria "O dia claro", como é chamado no poema homónimo). O primeiro poema desta Parte não tem qualquer relação com o tema e passa-se, até, cronologicamente antes da questão sequer se pôr. Presumivelmente justifica-se, assim, o nome "Noite". O segundo, "Tormenta", refere a agitação íntima de Portugal que, segundo o poeta, aspira ser a nação do Quinto Império. Deus envia um sinal orientador cuja identidade não é revelada. Talvez se refira ao Bandarra, cujas profecias (posteriormente muito aditadas) estão na origem próxima do mito. No entanto, como usa o improvável termo "hausto", talvez se refira a um ser vivo que, então, não poderia ser outro senão o próprio Fernando Pessoa. Seria ele o fulgor passageiro, arauto dos desígnios de Deus.

"Calma" é o poema mais desinteressante desta Parte, espécie de aparte ou tempo de espera (que talvez justifique o nome) para uma divagação sobre as impossibilidades possíveis. É, mais do que os outos poemas do conjunto, o tempo do sonho e da divagação. "Antemanhã" representa a proximidade do início da caminhada: o Mostrengo de Mar Português volta para simbolizar o medo que inspira uma outra nova via desconhecida que há a percorrer- via que, supostamente, será espiritual e portanto absolutamente revolucionária para um mundo habituado ao materialismo. Portugal não tem medo (o mostrengo é agora seu servo), no entanto ainda não se lançou nessa via ("está dormindo") mas Pessoa pressente que o tempo está próximo, de onde o nome do poema. Finalmente "Nevoeiro" corresponde ao tempo actual para o poeta, no momento de escrever. Aliás este poema e os três anteriores não parecem representar uma sequência cronológica, mas sobretudo fenónemos psicológicos, sociais e políticos vistos pelos olhos de Pessoa, que podem coexistir no tempo. "Nevoeiro" permite-lhe encerrar Mensagem com uma chave de ouro, indo repescar o mito sebastianista de que o Rei voltará numa manhã de nevoeiro e mostrando que, simbolicamente, nevoeiro é a situação que então se vive em Portugal (e por maioria de razão hoje!) de onde o grito final "É a Hora!".

Mas mais do que a tentativa de interpretação simbólica que muitos outros certamente já tentaram com mais bases do que eu, prefiro a originalidade de apontar que "Noite" não está datado pelo poeta e é, provavelmente, um poema já antigo (todos os de 1933-34 parecem ter sido datados) sobre a saga da família Corte-Real; "Calma" versa o tema das Ilhas Afortunadas e foi escrito cinco semanas antes do poema com esse nome que foi incluido na parte atrás referida sobre símbolos. "Calma" deve, então, ter sido a primeira versão de "Ilhas Afortunadas" sendo preterido quando o poeta, às voltas com o tema, arquitectou um outro poema que lhe agradou mais. "Nevoeiro" era, também, um poema já antigo, datando de 1928. De maneira que esta parte foi montada com dois poemas antigos, um reaproveitado e dois que podem, ou não, ter sido feitos expressamente para a finalidade que cumprem.

Não me parece que valha a pena procurar uma simbologia mais intricada no conteúdo dos poemas do que algo do estilo da minha interpretação anterior (quando muito, haveria que procurá-la na sucessão de "Tempos" escolhida, a que não falta beleza: Noite, Tormenta, Calma, Antemanhã, e Nevoeiro). Se tiver que encerrar esta introdução com um reparo conclusivo, direi que esta Terceira Parte de "O Encoberto" resultou de uma montagem por um poeta com falta de tempo e de páginas. Os poemas individualmente são bons mas no seu conjunto não constituem um corpo perfeitamente articulado (na minha opinião, claro!).

Quanto ao simbolismo rosicruciano e, em particular, o que ocorre no poema "O Encoberto", os interessados poderão ler a minha Nota final em que o explico nas próprias palavras do poeta. (Ir directamente para a Nota final).

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O ciclo poético de "O Encoberto" compreende, então, 13 poemas. Eis alguns dos meus favoritos desta Parte, com links directos para as respectivas páginas, bem como uma selecção de grandes versos e frases escolhidas que ofereço à vossa atenção:

"D.Sebastião" é um poema curto mas interessante que inclui a frase Caí na hora adversa que Deus concede aos seus.

"O Quinto Império" começa com a frase (surpreendente para quem não conhece a filosofia pessoana) Triste de quem é feliz! que depois passa a explicar...

"O Desejado" é um dos melhores poemas desta parte, repleto de referências sonhadoras ao Ciclo dos Cavaleiros da Távola Redonda.

"António Vieira" é o poema que eu prefiro desta Terceira Parte de "Mensagem". Dá ao Padre Vieira o epíteto "Imperador da Língua Portuguesa" e inclui os belos versos No céu amplo de desejo, a madrugada irreal do Quinto Império doira as margens do Tejo.

O Terceiro Aviso é um belo poema de Fernando Pessoa sobre si próprio que se inicia com a frase Escrevo meu livro à beira-mágoa...

"Tormenta" vale pela magnífica segunda estrofe.

Finalmente "Nevoeiro" conclui o Poema com a frase (escrita em 1928 mas infelizmente sempre actual) Ó Portugal, hoje és nevoeiro...É a hora!

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Breve nota sobre simbolismo rosicruciano- Além de Pessoa ter epigrafado cada parte de "Mensagem", também a totalidade do Poema tem uma divisa em latim, que é "BENEDICTUS DOMINUS DEUS NOSTER QUI DEDIT NOBIS SIGNUM". Ele próprio nos dá uma versão portuguesa (que não é uma tradução literal) num dos ensaios iniciáticos (1) que deixou incompletos: Bendito seja Deus Nosso Senhor, que nos deu o Verbo.

Quanto ao significado da Cruz e da Rosa, escreveu Fernando Pessoa (2):

A dupla essência, masculina e feminina, de Deus- a Cruz. O mundo gerado, a Rosa, crucificada em Deus. E mais adiante: Todo homem, que tenha que talhar para si um caminho para o Alto, encontrará obstáculos incompreensíveis e constantes. (...) E o triunfo consiste na força para [... saber submeter as vontades do amor e da terra] à vontade do espírito do Mundo. Este processo de vitória, figuram-o os emblemadores no símbolo da crucificação da Rosa- ou seja no sacrifício da emoção do mundo (a Rosa, que é o círculo em flor) nas linhas cruzadas da vontade fundamental e da emoção fundamental, que formam o substracto do Mundo, não como Realidade (que isso é o círculo) mas como produto do Espírito (que isso é a cruz).

1- Fernando Pessoa "Para a Obra Intitulada Átrio", in A Procura da Verdade Oculta-Textos filosóficos e esotéricos (de Fernando Pessoa), apresentados e anotados por António Quadros, Livros de Bolso Europa-América nº471

2- Idem "Sobre a Filosofia Rosa-Cruz" .

PS. Para os interessados na fascinante obra em prosa de Fernando Pessoa recomendo esta excelente colecção (pela relação qualidade/preço) da Europa-América anotada por António Quadros. Sobre o tema em apreço, ler também o nº 435 e, principalmente, o nº 472 da mesma colecção.

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Joao Manuel Mimoso (2003-12-26)
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... ou ler a introdução geral ao Poema
 
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