MENSAGEM de Fernando Pessoa; Terceira Parte- O ENCOBERTO
Terceiro- OS TEMPOS
Primeiro- NOITE
.ouvir Óleo de Carlos Alberto Santos
NOITE
A nau de um d’elles tinha-se perdido
no mar indefinido.
O segundo pediu licença ao Rei
de, na fé e na lei
da descoberta ir em procura
do irmão no mar sem fim e a névoa escura.

 

Tempo foi. Nem primeiro nem segundo
volveu do fim profundo
do mar ignoto à pátria por quem dera
o enigma que fizera.
Então o terceiro a El-Rei rogou
licença de os buscar, e El-Rei negou.

 

Como a um captivo, o ouvem a passar
os servos do solar.
E, quando o vêem, vêem a figura
da febre e da amargura,
com fixos olhos rasos de ância
fitando a prohibida azul distancia.

 

Senhor, os dois irmãos do nosso Nome
– O Poder e o Renome –
ambos se foram pelo mar da edade
à tua eternidade;
e com elles de nós se foi
o que faz a alma poder ser de heroe.

 

Queremos ir buscal-os, d’esta vil
nossa prisão servil:
é a busca de quem somos, na distancia
de nós; e, em febre de ância,
a Deus as mãos alçamos.

 

Mas Deus não dá licença que partamos.

Comentários:

O poema refere o episódio da exploração da América pelos irmãos Corte-Real: Gaspar explorou as costas do Canadá em 1500 mas não regressou de uma viagem similar no ano seguinte. O seu irmão Miguel foi procurá-lo com três navios que se separaram ao atingir a América. O navio de Miguel nunca mais foi visto embora os outros dois tenham regressado a Portugal. Finalmente o terceiro irmão, Vasco, viu recusado por D.ManueI o pedido de autorização de procurar os irmãos, uma vez que a sua eventual morte representaria o fim da linhagem. O rei enviou ele-próprio uma expedição de salvamento que não encontrou vestígios dos desaparecidos.

"Noite" (em relação ao advento do Quinto Império) refere um episódio apropriadamente passado antes do Bandarra ou D.Sebastião terem sequer nascido mas é provável que tenha sido redigido para outro fim e aproveitado por Pessoa quando, em 1934, se apressava a completar Mensagem para apresentar o livro a um concurso de poesia.

"não volveu à pátria por quem dera o enigma que fizera"- não voltou à Pátria pela qual deu a vida (o enigma é a circunstância do seu misterioso desaparecimento).

"ambos se foram à Tua eternidade"- ambos morreram.

"com eles de nós se foi o que faz a alma poder ser de herói"- com eles perdeu Vasco o alento e a ousadia.

"queremos ir buscá-los desta vil prisão"- (fala Vasco) quero morrer para ir ter com eles (a "prisão servil" é a vida).

"Deus não dá licença que partamos"- falhado o pedido feito ao rei para ir em busca dos irmãos, Vasco pede então a Deus que o liberte da amargura e o leve para se reunir aos irmãos no Além, mas Deus não lhe concede a morte...

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Lisboa, Portugal. Dezembro 20, 2003
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João Manuel Mimoso
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NOTA: Os interessados poderão ler AQUI uma página sobre os irmãos Corte-Real.

Se quiserem aprofundar as teorias de que Miguel Corte-Real teria sobrevivido no Massachussets poderão, fazer uma busca no Google sobre "Dighton Rock".

Para uma discussão muito breve do simbolismo deste poema inserido no conjunto d'Os Tempos ver a minha introdução a "O Encoberto".