Os Lusíadas de Luís de Camões ilustrados por Carlos Alberto Santos |
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41-
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E disse: "Ó
gente ousada, mais que quantas
no mundo cometeram
grandes cousas,
tu, que por
guerras cruas, tais e tantas,
e por trabalhos
vãos nunca repousas,
pois os
vedados términos quebrantas
e navegar meus
longos mares ousas,
que eu tanto
tempo há já que guardo e tenho,
nunca arados
de estranho ou próprio lenho;"
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os
vedados términos quebrantas- rompes (ultrapassas) os limites proibido;
lenho-
navio.
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42-
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"Pois vens
ver os segredos escondidos
da natureza
e do húmido elemento,
a nenhum grande
humano concedidos
de nobre ou
de imortal merecimento,
ouve os danos
de mim que apercebidos
estão a
teu sobejo atrevimento,
por todo o
largo mar e pela terra
que inda hás-de
sobjugar com dura guerra."
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apercebidos
estão a teu sobejo atrevimento- estão preparados (como
castigo) ao teu excessivo (insuportável) atrevimento.
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43-
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"Sabe que
quantas naus esta viagem
que tu fazes,
fizerem, de atrevidas,
inimiga terão
esta paragem,
com ventos
e tormentas desmedidas;
E da primeira
armada que passagem
fizer por estas
ondas insofridas,
eu farei de
improviso tal castigo
que seja
mor o dano que o perigo!"
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a
primeira armada que (...)- a armada de Pedro Álvares Cabral
que perdeu várias naus numa tempestade ao largo do Cabo da Boa
Esperança
insofridas-
nunca quebradas (por proas);
que
seja mor o dano que o perigo- costuma-se dizer, quando as situações
difíceis se resolvem a contento, que "foi maior o perigo do
que a perda": neste caso a ameaça, deveras terrível,
é de que se passará precisamente o contrário!
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44-
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"Aqui
espero tomar, se não me engano,
de quem
me descobriu suma vingança;
E não se acabará
só nisto o dano
de vossa pertinace
confiança:
antes, em vossas
naus vereis, cada ano,
se é verdade
o que meu juízo alcança,
naufrágios,
perdições de toda sorte,
que o menor
mal de todos seja a morte!"
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Aqui
espero tomar de quem me descobriu suma vingança- refere-se
a Bartolomeu Dias que se perdeu com a sua nau ao dobrar o Cabo da Boa
Esperança em 1500, quando integrava a armada de Pedro Álvares
Cabral;
pertinace-
pertinaz, persistente, teimosa.
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49-
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Mais ia por
diante o monstro horrendo,
dizendo nossos
fados, quando, alçado,
lhe disse eu:–Quem
és tu, que esse estupendo
corpo, certo
me tem maravilhado?
A boca e os
olhos negros retorcendo
e dando um
espantoso e grande brado,
me respondeu,
com voz pesada e amara,
como quem da
pergunta lhe pesara:
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amara- amarga. | |
50-
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"Eu sou
aquele oculto e grande cabo
a quem chamais
vós outros Tormentório,
que nunca a
Ptolomeu, Pompónio, Estrabo,
Plínio e quantos
passaram fui notório.
Aqui toda a
africana costa acabo
neste meu nunca
visto promontório,
que para o
polo antarctico se estende,
a quem vossa
ousadia tanto ofende."
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primeira parte do episódio | |||