Os Lusíadas de Luís de Camões

ilustrados por Carlos Alberto Santos

Canto V, estâncias 41-50

Episódio do Adamastor- o gigante dirige-se aos navegadores e revela quem é.

ouvir este trecho
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E disse: "Ó gente ousada, mais que quantas
no mundo cometeram grandes cousas,
tu, que por guerras cruas, tais e tantas,
e por trabalhos vãos nunca repousas,
pois os vedados términos quebrantas
e navegar meus longos mares ousas,
que eu tanto tempo há já que guardo e tenho,
nunca arados de estranho ou próprio lenho;"
os vedados términos quebrantas- rompes (ultrapassas) os limites proibido;
lenho- navio.
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"Pois vens ver os segredos escondidos
da natureza e do húmido elemento,
a nenhum grande humano concedidos
de nobre ou de imortal merecimento,
ouve os danos de mim que apercebidos
estão a teu sobejo atrevimento,
por todo o largo mar e pela terra
que inda hás-de sobjugar com dura guerra."
apercebidos estão a teu sobejo atrevimento- estão preparados (como castigo) ao teu excessivo (insuportável) atrevimento.
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"Sabe que quantas naus esta viagem
que tu fazes, fizerem, de atrevidas,
inimiga terão esta paragem,
com ventos e tormentas desmedidas;
E da primeira armada que passagem
fizer por estas ondas insofridas,
eu farei de improviso tal castigo
que seja mor o dano que o perigo!"
a primeira armada que (...)- a armada de Pedro Álvares Cabral que perdeu várias naus numa tempestade ao largo do Cabo da Boa Esperança
insofridas- nunca quebradas (por proas);
que seja mor o dano que o perigo- costuma-se dizer, quando as situações difíceis se resolvem a contento, que "foi maior o perigo do que a perda": neste caso a ameaça, deveras terrível, é de que se passará precisamente o contrário!
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"Aqui espero tomar, se não me engano,
de quem me descobriu suma vingança;
E não se acabará só nisto o dano
de vossa pertinace confiança:
antes, em vossas naus vereis, cada ano,
se é verdade o que meu juízo alcança,
naufrágios, perdições de toda sorte,
que o menor mal de todos seja a morte!"
Aqui espero tomar de quem me descobriu suma vingança- refere-se a Bartolomeu Dias que se perdeu com a sua nau ao dobrar o Cabo da Boa Esperança em 1500, quando integrava a armada de Pedro Álvares Cabral;
pertinace- pertinaz, persistente, teimosa.
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Mais ia por diante o monstro horrendo,
dizendo nossos fados, quando, alçado,
lhe disse eu:–Quem és tu, que esse estupendo
corpo, certo me tem maravilhado?
A boca e os olhos negros retorcendo
e dando um espantoso e grande brado,
me respondeu, com voz pesada e amara,
como quem da pergunta lhe pesara:
amara- amarga.
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"Eu sou aquele oculto e grande cabo
a quem chamais vós outros Tormentório,
que nunca a Ptolomeu, Pompónio, Estrabo,
Plínio e quantos passaram fui notório.
Aqui toda a africana costa acabo
neste meu nunca visto promontório,
que para o polo antarctico se estende,
a quem vossa ousadia tanto ofende."
primeira parte do episódio

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