Mensagem
 
 
por Fernando Pessoa
 
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  -ilustrada por Carlos Alberto Santos, e...
 
... anotada por João Manuel Mimoso
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  - Introdução a MAR PORTUGUÊS
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A segunda parte de Mensagem tem como epígrafe "POSSESSIO MARIS" (Posse do Mar- escrita em maiúsculas porque o latim não tinha minúsculas) e o seu tema é, não tanto a hegemonia marítima como essa divisa poderia fazer supôr (e muito menos o império baseado nessa hegemonia), mas antes o desvendar do mar ignoto pelo Portugal dos séculos XV e XVI que representa a vitória do querer e da ousadia sobre a ignorância. O medo do desconhecido, uma fabricação do espírito que não tem, realmente, causa palpável, é vencido pela vontade de desvendar a Verdade. Essa vontade, inicialmente um sonho, materializa-se na Descoberta- este é, aliás, o tema do segundo poema do Ciclo: "Horizonte". Fernando Pessoa privilegiava os triunfos do espírito sobre os ganhos materiais e, conscientemente ou não, faz poucas referências ao império físico e nenhuma às riquezas materiais dele derivadas.

Mas então, perguntar-se-á: porque não ter feito de "Horizonte" o primeiro poema de "Mar Português"? É que esta parte de Mensagem é também sobre os homens que levaram a cabo a Grande Obra e o primeiro poema é dedicado àquele que esteve na origem do desvendar dos mares, o Infante D.Henrique. Mas esta dedicação está sobretudo no título ("O Infante") porque o texto é de índole geral e poderia também aplicar-se ao esforço da Raça na época das grandes viagens de descobrimento, ao contrário do poema "O Infante D.Henrique" de Brasão que se refere inequivocamente a um só homem.

Os poemas de "Mar Português" seguem uma ordem aproximadamente cronológica referindo (directa ou indirectamente) o Infante, Diogo Cão, D.JoãoII, ... até ao antepenúltimo poema, que dá o nome ao conjunto, "Mar Português" (geralmente considerado o melhor de Mensagem) que olha em retrospectiva a época das Descobertas e pergunta "Valeu a pena?" oferecendo, como resposta, duas das frase mais célebres de toda a literatura portuguesa; "tudo vale a pena se a alma não é pequena" e "quem quer passar além do Bojador tem que passar além da dor".

No penúltimo poema do ciclo (A Última Nau) a época de ouro é encerrada com o desaparecimento de D.Sebastião que, qual Rei Artur depois da batalha de Camlan, embarca para uma ilha desconhecida, e o poeta transporta-nos subitamente à actualidade em que escreve, interrompendo a narrativa para confiar ao leitor o seu pensamento. Mas a visão de Pessoa atira-nos imediatamente para o futuro, um futuro em que O Desejado regressa para retomar o sonho interrompido de um império universal. A intimidade entre poeta e leitor transforma-se no derradeiro poema do ciclo (Prece) em súplica a Deus a quem pede que reacenda a Alma Lusitana para que de novo "conquistemos a Distância".

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O ciclo poético de "Mar Português" é anterior a "Mensagem", tendo sido publicado pela primeira vez em 1922, e manteve a generalidade do conteúdo com apenas a substituição de um poema e alterações aos títulos de outros e a alguns versos. Compreende 12 poemas, incluindo quatro dos cinco através dos quais a poesia de Fernando Pessoa é realmente conhecida da generalidade dos portugueses: "O Infante", "Padrão", "O Mostrengo" e "Mar Português" (o quinto é "O menino da sua mãe" que não faz parte de "Mensagem"). Vale a pena notar que em todos estes o Poeta utiliza uma linguagem sumamente simples, sem recurso a termos estritamente eruditos. Eis alguns dos meus favoritos desta Parte, com links directos para as respectivas páginas, bem como uma selecção de grandes versos e frases escolhidas que ofereço à vossa atenção:

"O Infante" inclui o famosíssimo início Deus quer, o homem sonha, a obra nasce bem como Cumpriu-se o Mar e, em sequência, Falta cumprir-se Portugal!

"Horizonte" inclui uma sequência de quatro versos cuja sonoridade e imagem que invocam muito me agradam:

Desvendadas a noite e a cerração,
As tormentas passadas e o mistério,
Abria em flor o Longe, e o Sul sidério
'Splendia sobre as naus da iniciação.

"Padrão" inclui as frases O esforço é grande e o homem é pequeno, e o mar com fim será grego ou romano; o mar sem fim é português.

"O Mostrengo" é conhecido, não por grandes frases mas pelo ritmo e pela imagem de um timoneiro que combate o pavor de sulcar os mares do fim do mundo com a lembrança múrmura das ordens que lho impõem até que, na última estrofe, vence o terror e se alevanta para gritar ao Medo o desafio de um povo condensado na vontade do seu Rei.

"Ascensão de Vasco da Gama" é notável pela descrição poética do indescritível.

"Mar Português" é O poema de "Mensagem" e é praticamente uma sucessão de grandes frases: Ó mar salgado, quanto do teu sal são lágrimas de Portugal! ; Quantas noivas ficaram por casar para que fosses nosso, ó mar! ; Tudo vale a pena se a alma não é pequena. ; Quem quer passar além do Bojador tem que passar além da dor. ; e Deus ao mar o perigo e o abismo deu, mas nele é que espelhou o céu.

"A Última Nau" é o primeiro poema de "Mensagem" que se pode designar de místicamente complexo, indiciando um sentido oculto que será precisado na Terceira Parte do Poema. Tem excepcional beleza mas há que lê-lo e relê-lo até começar a saboreá-lo. De notar que este poema constitui o verdadeiro fulcro de Mensagem, concluindo a parte que diz respeito ao Passado, transportando o leitor ao presente e logo à visão do poeta para o futuro de Portugal... e tudo em quatro estrofes!

"Prece" é mais um poema de grande beleza que inclui os versos: Restam-nos hoje, no silêncio hostil, o mar universal e a saudade e Outra vez conquistemos a Distância- do mar ou outra, mas que seja nossa!

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Joao Manuel Mimoso (2003-12-25), revisto 2004-01-24
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