A AGÊNCIA PORTUGUESA
DE REVISTAS | ||||||||||||
2000 LIVRARIAS (1954-1955) | ||||||||||||
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O ano de 1954, tépido em termos de grandes novidades, foi, no entanto, um tempo de mudança. Em Fevereiro de 1954 a Agência Portuguesa de Revistas trocou as acanhadas instalações de um segundo andar na Rua do Arsenal por um pavilhão industrial na Rua Saraiva de Carvalho, em Campo de Ourique (fotografia à esquerda). No Verão desse ano, Vítor Péon, que tinha sido o desenhador de serviço do Mundo de Aventuras e, nessa época, o autor da sua imagem gráfica, abandonou a empresa juntamente com Roussado Pinto, para ingressarem no Fomento de Publicações, que no final do Verão lançou um título de BD Titã que competia directamente com o Mundo de Aventuras, mas que foi efémero. | |||||||||||
| Se a perda de Vítor Péon era penalizante, a perda conjunta de Roussado Pinto, que colaborava em vários títulos da editora, fazia trabalho de campo como jornalista, e escrevia textos de qualquer tipo, numa ampla temática e com uma velocidade assombrosa, deve ter sido desastrosa. Apesar da sua reconhecida capacidade em descobrir talentos, Mário de Aguiar e António Dias nunca encontraram um verdadeiro substituto para Roussado Pinto. O único com uma versatilidade afim era José de Oliveira Cosme (fotografia à esquerda) que já trabalhava para a Agência e que acumulou funções, assumindo agora algumas de Roussado Pinto. Quanto à vaga no sector do desenho e ilustração, Mário de Aguiar já tinha em reserva a pessoa ideal. Carlos Alberto Santos, então com 20 anos, estava desde há alguns meses a trabalhar a meio-tempo para a Agência Portuguesa de Revistas e não tardou a passar a uma situação de exclusividade. Um dia viria a ser o responsável pela imagem gráfica da Editora com o título de Director Artístico, tal como José de Oliveira Cosme era o Director Literário. | |||||||||||
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Referi anteriormente
que a Agência Portuguesa de Revistas viria a ter quatro pilares de sustentação
com mercados específicos: três grupos de revistas e as colecções de cromos-surpresa.
Houve, no entanto, um quinto elemento, transversal em relação a todos
os mercados da Agência. Trata-se das colecções de livros com edição periódica.
Embora nenhum título tenha sido suficientemente significativo, em termos
de receita, para ser de fulcral importância, o seu conjunto representava,
no entanto, um volume de negócios muito importante. Este negócio merece, agora, uma análise. No Portugal dos anos 50 do século passado haveria menos de duas centenas de livrarias no sentido cabal do termo. Ora por esta época a Agência distribuía, além das suas próprias, várias publicações alheias e anunciava este serviço proclamando poder colocá-las numa rede de 2000 pontos de venda. Os livros das colecções de publicação periódica da Agência não eram, em geral, vendidos nas livrarias propriamente ditas, às quais as condições não interessariam. Eram, antes, distribuídos às tabacarias, bancas, capelistas, etc, que vendiam revistas. Assim brotaram literalmente da noite para o dia 2000 livrarias populares que vendiam os livros de apenas uma editora que, por sua vez, tentava com eles satisfazer um largo leque de interesses (policial, ficção científica, acção, romance, humor,...), com segmentação do preço nos domínios de maior procura a oferta cobria, em 1955, uma gama que ia dos 2$50 aos 10$00. Em breve seriam oferecidos livrinhos românticos e de cowboys a 1$50. A periodicidade dos títulos permitia um tratamento análogo ao das revistas, com consignação por tempo fixo, e a receita também entrava num prazo muito curto. | |||||||||||
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Em Novembro de 1951 tinha sido iniciada a publicação, numa base mensal, de quatro colecções de livros cujos textos e capas eram comprados à Editorial Bruguera. Os meses desde o início de 1954 até finais de 1955 viram surgir nove outras colecções: as românticas Madrepérola, Andorinha, Orquídea, Camélia (todas originárias da Editorial Bruguera), e Amorzinho; as policiais e de acção Detective (da Bruguera) e FBI (da Editorial Rollan); a de cowboys Búfalo (também da Bruguera); e finalmente a Grandes Êxitos do Cinema Mundial, para cinéfilos. A colecção FBI é particularmente relevante pelo seu sucesso. Apesar dos muitos percalços, foi mantida até quase ao fim da existência da editora, numa série de 650 números, tendo mesmo originado um spin-off (as Selecções FBI, que será referida a seu tempo), uma revista de BD (lançada em 1967) e até uma colecção de cromos. Inicialmente mensal, passou em pouco tempo a quinzenal enquanto os números mais baixos iam tendo numerosas reedições. |
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A colecção Amorzinho merece uma referência especial por se tratar dos primeiros livros-miniatura para adultos publicados pela Agência. A periodicidade era semanal e cada livrinho tinha 96 páginas no formato 10,5x7cm. Custava apenas 2$50. A ideia era tão nova que aparentemente não foi possível adquirir originais com o tamanho adequado e por isso os escritores da Agência condensavam originais espanhóis de maneira a enquadrá-los no novo formato. Tal como a FBI, os números iniciais tiveram duas ou mais edições (na imagem ao lado ilustra-se a capa do nº 1, desenhada por José Antunes). | ||||||||||||
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Apesar da proximidade da mudança para as novas instalações,
o ano de 1954 tinha começado com uma novidade no campo da banda desenhada. Aquando
do lançamento d'O Mundo de Aventuras uma comparação com a concorrência
evidenciava a vantagem da revista da Agência em todos os casos menos num.
O Gafanhoto, com apenas oito páginas de pequeno formato, custava
só $50 e apelava, portanto, a um segmento com menos poder de compra, constituindo
uma alternativa tentadora. Podia-se dizer que estava numa classe à parte.
Mário de Aguiar deve ter pensado o mesmo e no início de Janeiro de 1954, quando
O Gafanhoto já tinha há muito desaparecido dos cordéis das bancas de jornais
e das molas de madeira dos expositores das tabacarias, lançou a sua versão do
mesmo conceito: Colecção Audácia oferecia oito páginas de
21x14,5 cm totalmente preenchidas com sete histórias de continuação, ao preço
de 50 centavos. E oferecia os mesmos heróis americanos do Mundo de Aventuras,
incluindo o Fantasma, Mandrake, e Flash Gordon. |
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Comparado com o frenesi dos anos anteriores, 1954 e 1955 foram comparativamente pobres em novas colecções de cromos: apenas foram publicadas Álbum de Zoologia, outra colecção da Editorial Bruguera, e Pinóquio, segundo o filme homónimo de Walt Disney. Álbum de Zoologia foi uma colecção da época intermédia da editora catalã. Muito superior às colecções da Bruguera anteriormente editadas, era promissora do que estava para vir, mas não igualava ainda em beleza gráfica as soberbas colecções que em breve se seguiriam. Pinóquio, originária da editorial espanhola Fher, era menos interessante e o álbum de grandes dimensões, tão vulgar nesta editora, era um factor negativo. Curiosamente este facto parece ter passado despercebido durante muitos anos aos responsáveis da Agência que chegaram a conceber colecções originais com álbuns igualmente sobredimensionados. Três anos depois, as sobras dos álbuns foram escoadas através do expediente de oferecer os cromos, em folhas de nove cada, como suplementos ao Mundo de Aventuras. | ||||||||||||
Em Outubro de 1954 começou a ser publicado Dez Minutos, "semanário de actualidades internacionais", mais um exemplo da aparente fascinação dos responsáveis da Agência pela grande reportagem, um campo que lhes era estranho. A ideia original seria produzir uma versão portuguesa da Diez Minutos, publicada desde há alguns anos no país vizinho, mas o semanário foi efémero e o título passou praticamente despercebido. | ||||||||||||
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Em finais de Dezembro de 1954, foi posto à venda o primeiro número de uma nova revista de banda desenhada. Tratava-se do semanário Condor Popular que, como a Colecção Condor , era um mini-álbum de 32 páginas mas agora com metade das dimensões da sua contrapartida mensal e ao preço de apenas 1$00. Tratava-se de mais um exemplo de segmentação do mercado, adaptando a oferta aos consumidores de menor poder económico como, aliás, o nome candidamente indicava. Inicialmente a nova publicação teve pouco sucesso, como atesta a raridade dos primeiros volumes, mas ao contrário do Condor Mensal que acabou por ser terminado os editores decidiram mantê-la. Com o tempo, o formato deixou de ser estranho e tornou-se um hábito comprar a pequena revista aos Sábados e metê-la no bolso para ler no comboio. Acabou por ser um sucesso que, em tempo, daria mesmo origem a mais um título com um conceito totalmente idêntico. | |||||||||||
No dia 1 de Fevereiro de 1955, a Agência Portuguesa de Revistas iniciou a publicação de uma nova revista para cinéfilos que preparara através de um desafio aos leitores de Plateia, a quem foram pedidas sugestões para os conteúdos dos primeiros números. Tratava-se de Álbum dos Artistas, uma revista que se focava na vida pública e, sobretudo, na vida privada dos artistas da época através de biografias romanceadas. Desta vez não houve artigos de continuação, mas os editores colocaram inadvertidamente uma espécie de bomba-relógio na revista: cada número "gastava" três artistas de um universo necessariamente limitado. Em breve se viram faltos de artistas interessantes... Mas o conceito seria revisto no ano seguinte e acabaria por dar origem a várias revistas sob várias formas gráficas, como a seu tempo se verá. | ||||||||||||
Se a Colecção Audácia e o Condor Popular se destinavam a satisfazer procuras a baixo preço, a Colecção Tigre destinou-se a ocupar um segmento do mercado com maior poder de compra. O primeiro número foi posto à venda em Abril de 1955 e oferecia 62 páginas de 17x12 cm, em papel de boa qualidade, com capas garridamente coloridas e atraentemente envernizadas (as primeiras deste tipo que a editora utilizou em revistas de BD). Além de uma ou duas histórias de BD, os primeiros números da nova revista incluíam, também, um pequeno conto ilustrado pelos desenhadores da Agência. As capas dos primeiros onze números foram traçadas e pintadas por Filipe Figueiredo. As ilustrações eram vistosas e inovadoras, facilmente atraindo o desejo dos compradores que pudessem dispender os 4$00 que a revista custava. O título manteve-se durante quase uma década com múltiplas reedições de muitos números. | ||||||||||||
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No dia 26 de Agosto de 1955, saiu uma nova publicação muito anunciada e em relação à qual se criou uma expectativa que ainda hoje transmite a ideia do optimismo dos editores quanto ao seu sucesso. Tratava-se da revista semanal Rato Mickey que transpunha para Portugal as histórias com personagens da Walt Disney Productions, publicadas nos Estados Unidos pela editora Dell. Compreende-se o optimismo: as capas e as histórias do Pato Donald eram de Carl Barks e as do Rato Mickey de Paul Murry. Além disso a solidez da procura nacional era conhecida através do relativo sucesso da edição para Portugal da revista O Pato Donald da editora brasileira Abril. A revista tinha o formato do Mundo de Aventuras, 16 páginas das quais 6 a cores, e custava os mesmos 2$50 da revista brasileira. Apesar do formato ser algo superior ao das revistas originais da Dell, as histórias foram reduzidas e inutilmente remontadas em páginas que incorporavam também contos textuais. As páginas a cores foram aleatoriamente gastas em histórias diferentes, em vez de serem concentradas na história mais atractiva. E pior do que tudo, foi utilizada uma solução de histórias de continuação, solução que ignorava o imediatismo das crianças e que tinha já sido abandonada, tanto pelas revistas americanas, como pela brasileira que lhe eram afins... Inicialmente semanal, a revista passou a quinzenal e acabou quatro meses após o lançamento. As sobras do inesperado insucesso foram tão grandes que a Agência tomou a decisão de as vender por atacado alguns anos mais tarde. O Rato Mickey sofreu, assim, a indignidade final de ser apregoada pelas ruas de Lisboa a cinco ou a dez tostões. Os meus pais compraram-me um número da revista mas o formato de continuação desinteressou-me imediatamente: estava a tentar ler histórias cujo início não conhecia, ou cujo fim me era negado. Alguns anos mais tarde já tinha aprendido a esperar com antecipação por um qualquer prazer inocente, mas aos seis anos queria, como quase todas as crianças dessa idade, satisfação instantânea! | |||||||||||
| A par da tentativa falhada do Rato Mickey, a Agência Portuguesa de Revistas aumentou notavelmente a sua oferta de livros infantis com as novas colecções: Tino e Tina (livros recortados de origem espanhola e de belo grafismo); Era Uma Vez; Anão Sabichão; Juquita; Certo Dia; e Patareco. Mas as colecções anteriores (muitas das quais tinham histórias e desenhos de Gabriel Ferrão, artista conhecido pelo seu trabalho para a editora infantil Majora) consistiam em séries com um número determinado de títulos e portanto não tinham uma natureza periódica e só interessam marginalmente a este estudo. Foi, no entanto, lançada uma outra colecção que, embora sem ser estritamente periódica merece uma menção especial. Trata-se da Colecção Tonecas, com 16 páginas no incrível formato 7x5,5 cm a $40, de que os primeiros números foram lançados ainda antes da mudança da sede para Campo de Ourique, continuando a série a ser regularmente aumentada e os títulos sucessivamente reeditados durante os anos 60. Os livrinhos eram vendidos nas tabacarias, onde se guardavam em caixas de cartão, como se fossem envelopes de cromos, e constituíam uma prenda de circunstância ideal, colorida e barata, para oferecer a uma criança. | |||||||||||
Em Dezembro de 1954, a Plateia tinha publicado uma pequena tira-anúncio que proclamava, referindo-se às edições da Agência Portuguesa de Revistas: "Soma e Segue". Esse optimismo viria a ser posto em causa em 1956-57. | ||||||||||||
2006-02-05 | ||||||||||||
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