Os Lusíadas de Luís de Camões ilustrados por Carlos Alberto Santos |
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ouvir | óleo de Carlos Alberto Santos (col. particular) | ||
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Mas um velho,
de aspecto venerando,
que ficava nas
praias, entre a gente,
postos em nós
os olhos, meneando
três vezes a
cabeça, descontente,
a voz pesada
um pouco alevantando,
que nós no mar
ouvimos claramente,
Cum saber só
de experiências feito,
tais palavras
tirou do experto peito:
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experto-
experiente.
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95-
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"Ó glória
de mandar, ó vã cobiça
desta vaidade
a quem chamamos Fama!
Ó fraudulento
gosto, que se atiça
c'ua aura popular,
que honra se chama!
Que castigo
tamanho e que justiça
fazes no peito
vão que muito te ama!
Que mortes,
que perigos, que tormentas,
que crueldades
nele experimentas!"
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vão-
vaidoso.
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"Dura inquietação
da alma e da vida
fonte de desamparos
e adultérios,
sagaz consumidora
conhecida
de fazendas,
de reinos e de impérios!
Chamam-te ilustre,
chamam-te subida,
sendo digna
de infames vitupérios;
chamam-te Fama
e Glória Soberana,
nomes com quem
se o povo néscio engana!"
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fazendas-
bens;
vitupérios-
insultos;
se-
sujeito indefinido, equivalente ao françês "on"
(com quem se o povo engana= com que se engana o povo);
néscio-
ignorante.
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"A que
novos desastres determinas
de levar estes
Reinos e esta gente?
Que perigos,
que mortes lhe destinas,
debaixo dalgum
nome preminente?
Que promessas
de reinos e de minas
d' ouro, que
lhe farás tão facilmente?
Que famas lhe
prometerás? Que histórias?
Que triunfos?
Que palmas? Que vitórias?"
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palmas- recompensas (na Grécia e na Roma Antiga, a palma era o prémio do vencedor). | |
100-
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"Não tens
junto contigo o Ismaelita,
com quem sempre
terás guerras sobejas?
Não segue ele
do Arábio a lei maldita,
se tu pela de
Cristo só pelejas?
Não tem cidades
mil, terra infinita,
se terras e
riqueza mais desejas?
Não é ele por
armas esforçado,
se queres por
vitórias ser louvado?"
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o
Ismaelita- os Mouros;
o
Arábio- Maomé (natural da Arábia);
lei-
religião;
(é)
por armas esforçado- é bom combatente.
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101-
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"Deixas
criar às portas o inimigo,
por ires buscar
outro de tão longe,
por quem se
despovoe o Reino antigo,
se enfraqueça
e se vá deitando a longe;
buscas o incerto
e incógnito perigo
por que a Fama
te exalte e te lisonje
chamando-te
senhor, com larga cópia,
da Índia, Pérsia,
Arábia e da Etiópia."
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o
Reino antigo- Portugal europeu;
se
vá deitando a longe- se vá deitando
a perder;
chamando-te
senhor, com larga cópia- chamando-te repetidamente "senhor".
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102-
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"Oh, maldito
o primeiro que, no mundo,
nas ondas
vela pôs em seco lenho!
Digno da eterna
pena do Profundo,
se é justa a
justa Lei que sigo e tenho!
Nunca juízo
algum, alto e profundo,
nem cítara
sonora ou vivo engenho
te dê por isso
fama nem memória,
mas contigo
se acabe o nome e glória!"
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(maldito
o primeiro que) nas ondas vela pôs em seco lenho-
maldito o inventor do navio;
Profundo-
Inferno;
(Nunca)
cítara sonora ou vivo engenho (te dê, etc...)- que nunca
sejas cantado pelos poetas.
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103-
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"Trouxe
o filho de Jápeto do Céu
o fogo que ajuntou
ao peito humano,
fogo que o mundo
em armas acendeu,
em mortes, em
desonras (grande engano!).
Quanto melhor
nos fora, Prometeu,
e quanto para
o mundo menos dano,
que a tua estátua
ilustre não tivera
fogo de altos
desejos, que a movera!"
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filho de Jápeto- Prometeu, que segundo a mitologia clássica, roubou o fogo sagrado do Olimpo e com ele animou uma estátua de barro (a estátua ilustre), dando, assim, origem ao Homem. | |
104-
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"Não
cometera o moço miserando
o carro alto
do pai, nem o ar vazio
o grande
arquitector co filho, dando
um, nome
ao mar, e o outro, fama ao rio.
Nenhum cometimento
alto e nefando
por fogo, ferro,
água, calma e frio,
deixa intentado
a humana geração.
Mísera sorte!
Estranha condição!"
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Não
cometera o moço miserando
o
carro alto do pai- referência a Phaeton que roubou o carro do
Sol;
nem
o ar vazio o grande arquitector co filho- referência a Dédalo,
construtor do labirinto de Creta, que, com o filho Ícaro, fugiu
dele construindo asas com que voaram ao céu;
dando um, nome ao mar, e o outro, fama ao rio- Ícaro caíu
no Mar Egeu (também chamado "Icário") e Phaeton
caíu no rio Pó.
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- ouça estas estâncias (mal lidas)- para estudantes estrangeiros | |||
João
Manuel Mimoso
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