Os Lusíadas de Luís de Camões ilustrados por Carlos Alberto Santos |
|||
|
|||
ouvir | |||
1-
.
.
.
.
.
.
.
|
Já se
viam chegados junto à terra
que desejada
já de tantos fora,
que entre as
correntes Índicas se encerra
e o Ganges,
que no Céu terreno mora.
Ora sus,
gente forte, que na guerra
quereis levar
a palma vencedora:
já sois chegados,
já tendes diante
a terra de riquezas
abundante!
|
que
no Céu terreno mora- alusão à santidade do Ganges
para a religião hindu;
sus-
vamos a isto! coragem!
|
|
2-
.
.
.
.
.
.
.
|
A vós, ó geração
de Luso, digo,
que tão pequena
parte sois no mundo,
não digo inda
no mundo, mas no amigo
curral de
Quem governa o Céu rotundo;
vós, a quem
não sòmente algum perigo
estorva conquistar
o povo imundo,
mas nem cobiça
ou pouca obediência
da Madre
que nos Céus está em essência.
|
no
amigo curral (etc...)- na Cristandade;
o
povo imundo- os maometanos;
a
Madre que nos Céus está em essência- a
Igreja Católica.
|
|
3-
.
.
.
.
.
.
.
|
Vós, Portugueses,
poucos quanto fortes,
que o fraco
poder vosso não pesais;
vós, que, à
custa de vossas várias mortes,
a Lei da
Vida Eterna dilatais:
assim do Céu
deitadas são as sortes
que vós, por
muito poucos que sejais,
muito façais
na Santa Cristandade,
que tanto, ó
Cristo, exaltas a humildade!
|
a
Lei da Vida Eterna- o Cristianismo.
|
|
4-
.
.
.
.
.
.
.
|
Vede'los Alemães,
soberbo gado,
que por tão
largos campos se apascenta;
do sucessor
de Pedro rebelado,
novo pastor
e nova seita inventa;
vede'lo em feias
guerras ocupado,
que inda co
cego error se não contenta,
não contra o
soberbíssimo Otomano,
mas por sair
do jugo soberano.
|
do
sucessor de Pedro- do Papa;
novo
pastor- Lutero;
nova
seita- o Protestantismo luterano (o mesmo que
"cego error" ou erro impensado);
mas
por sair do jugo soberano- pode referir-se
à guerra contra o imperador católico Carlos V ou, menos
provavelmente, ao cisma com a Igreja Católica Romana.
|
|
5-
.
.
.
.
.
.
.
|
Vede'lo duro
Inglês, que se nomeia
rei da velha
e santíssima Cidade,
que o torpe
Ismaelita senhoreia
(quem viu honra
tão longe da verdade?),
entre as boreais
neves se recreia,
nova maneira
faz de cristandade:
para os de
Cristo tem a espada nua,
não por tomar
a terra que era sua.
|
duro
inglês que se nomeia rei da velha e santíssima cidade-
provável referência a Henrique VIII (na época de Camões
os reis ingleses tinham o título de "Rei de Jerusalém"
que tinha vindo à coroa inglesa por casamento com a Casa de Anjou);
nova
maneira faz de cristandade- refere-se ao Anglicanismo;
para
os de Cristo tem a espada nua- refere-se à
decapitação do bispo Sir Thomas Moore.
|
|
6-
.
.
.
.
.
.
.
|
Guarda-lhe,
por entanto, um falso rei
a cidade
Hierosólima terreste,
enquanto ele
não guarda a Santa Lei
da Cidade
Hierosólima Celeste.
Pois de ti,
Galo indigno, que direi?
Que o nome
«cristianíssimo» quiseste,
não para defendê-lo
nem guardá-lo,
mas para
ser contra ele e derribá-lo!
|
um
falso rei- o sultão turco:
cidade
Hierosólima terrestre- Jerusalém;
Cidade
Hierosólima Celeste-a Igreja
Católica;
Galo
indigno ... etc- provável referência a Francisco I (galo=
françês) que, como rei de França, ostentava o título
"cristianíssimo" e chegou a aliar-se com o sultão
turco nas suas guerras contra Carlos V (que, lembre-se, fora casado com
Isabel de Portugal)..
|
|
7-
.
.
.
.
.
.
.
|
Achas que tens
direito em senhorios
de cristãos,
sendo o teu tão largo e tanto,
e não contra
o Cinífio e Nilo rios,
inimigos do
antigo Nome Santo?
Ali se hão-de
provar da espada os fios
em quem quer
reprovar da Igreja o Canto.
De Carlos,
de Luís, o nome e a terra
herdaste,
e as causas não da justa guerra?
|
senhorios
de cristãos- referência às
pretensões de Francisco I em Itália;
contra
o Cinífio e Nilo rios- contra os Maometanos (trata-se de rios
no Norte de África);
quem
quer reprovar da Igreja o Canto- refere-se
aos diferendos de Francisco I com o Papa (a Pedra- Canto- da Igreja);
de
Carlos, de Luís (etc...)- refere-se a Carlos Magno e a S.Luís:
ambos lutaram contra o Islão
|
|
8-
.
.
.
.
.
.
.
|
Pois que direi
daqueles que em delícias,
que o vil ócio
no mundo traz consigo,
gastam as vidas,
logram as divícias,
esquecidos do
seu valor antigo?
Nascem da tirania
inimicícias,
que o povo forte
tem, de si inimigo.
Contigo, Itália,
falo, já sumersa
em vícios mil,
e de ti mesma adversa.
|
divícias-
riquezas;
Itália,
de ti mesma adversa- refere-se às constantes
lutas intestinas entre os principados italianos.
|
|
9-
.
.
.
.
.
.
.
|
Ó míseros Cristãos,
pela ventura
sois os dentes,
de Cadmo desparzidos,
que uns aos
outros se dão à morte dura,
sendo todos
de um ventre produzidos?
Não vedes a
Divina Sepultura
possuída
de Cães, que, sempre unidos,
vos vêm tomar
a vossa antiga terra,
fazendo-se famosos
pela guerra?
|
sois
os dentes de Cadmo desparzidos- referência
a uma lenda: Cadmo semeou dentes de dragão e deles nasceram soldados
que se mataram uns aos outros;
a
Divina Sepultura possuída de Cães- referência
ao Santo Sepulcro e aos Maometanos.
|
|
10-
.
.
.
.
.
.
.
|
Vedes que têm
por uso e por decreto,
do qual são
tão inteiros observantes,
ajuntarem o
exército inquieto
contra os povos
que são de Cristo amantes;
entre vós
nunca deixa a fera Aleto
de semear
cizânias repugnantes.
Olhai se estais
seguros de perigos,
que eles,
e vós, sois vossos inimigos.
|
entre
vós nunca deixa a fera Aleto (etc...)- Aleto era uma das Fúrias
e semeava a discórdia;
que
eles e vós sois vossos inimigos- não só os Islamitas
são vossos inimigos, mas também vós, de vós
próprios!
|
|
11-
.
.
.
.
.
.
.
|
Se cobiça de
grandes senhorios
vos faz ir conquistar
terras alheias,
não vedes que
Pactolo e Hermo rios
ambos volvem
auríferas areias?
Em Lídia, Assíria,
lavram de ouro os fios;
África esconde
em si luzentes veias;
mova-vos já,
sequer, riqueza tanta,
pois mover-vos
não pode a Casa Santa.
|
Pactolo
e Hermo- rios do Médio Oriente que o
poeta sugere serem auríferos;
sequer-
então;
a
Casa Santa- o fervor cristão.
|
|
14-
.
.
.
.
.
.
.
|
Mas, entanto
que cegos e sedentos
andais de vosso
sangue, ó gente insana,
não faltarão
cristãos atrevimentos
nesta pequena
Casa Lusitana:
de África tem
marítimos assentos;
é na
Ásia mais que todas soberana;
na quarta
parte nova os campos ara;
e, se mais Mundo
houvera, lá chegara.
|
insana-
louca;
na
quarta parte nova- a Europa, a Ásia e a África eram
as três partes do mundo; as Américas eram a nova quarta parte
(referência à colonização do Brasil).
|
|
- ouça algumas destas estâncias (mal lidas)- para estudantes estrangeiros |
João
Manuel Mimoso
|
||