Os Lusíadas de Luís de Camões ilustrados por Carlos Alberto Santos |
|||
|
|||
ouvir I | óleo de Carlos Alberto Santos (colecção particular) | ||
145-
.
.
.
.
.
.
.
|
No mais,
Musa, no mais, que a lira tenho
destemperada
e a voz enrouquecida,
e não do canto,
mas de ver que venho
cantar a gente
surda e endurecida.
O favor
com que mais se acende o engenho
não no dá a
pátria, não, que está metida
no gosto da
cobiça e na rudeza
duma austera,
apagada e vil tristeza.
|
no-
não (castelhanismo);
lira-
instrumento musical de poetas;
destemperada-
desafinada;
favor-
reconhecimento;
na
rudeza de uma austera e vil tristeza- na incivilidade de uma sombria
e indigna melancolia.
(Nota:
esta estância e os 4 primeiros versos da est.146, de cariz derrotista,
não se enquadram no tom das 147 e seguintes e representam, talvez,
um aditamento posterior de Camões).
|
|
146-
.
.
.
.
.
.
.
|
E não sei por
que influxo de destino
não tem
um ledo orgulho e geral gosto,
que os ânimos
levanta de continuo
a ter para
trabalhos ledo o rosto.
Por isso vós,
ó Rei, que por divino
conselho estais
no régio sólio posto,
olhai que sois
(e vede as outras gentes)
Senhor só
de vassalos excelentes.
|
por
que influxo de destino- por que capricho da sorte;
não
tem um ledo orgulho e geral gosto- não tem (a pátria,
isto é, a população) um alegre orgulho e agrado generalizado
(pela poesia);
a
ter para trabalhos ledo o rosto- a enfrentar as canseiras com alegria;
no
régio sólio- no trono real;
sois
senhor só de vassalos excelentes- neste enquadramento, a frase
é irónica; ver Nota à 145
|
|
147-
.
.
.
.
.
.
.
|
Olhai que ledos
vão, por várias vias,
quais rompentes
leões e bravos touros,
dando os corpos
a fomes e vigias,
a ferro, a
fogo, a setas e pelouros,
a quentes regiões,
a plagas frias,
a golpes de
Idolátras e de Mouros,
a perigos incógnitos
do mundo,
a naufrágios,
a peixes, ao profundo.
|
plagas-
regiões;
Idolátras-
o mesmo que "idólatras", adoradores de ídolos,
Hindus;
ao
profundo- ao abismo (do mar).
|
|
148-
.
.
.
.
.
.
.
|
Por vos servir,
a tudo aparelhados;
de vós tão
longe, sempre obedientes;
a quaisquer
vossos ásperos mandados,
sem dar
reposta, prontos e contentes.
Só com saber
que são de vós olhados,
demónios infernais,
negros e ardentes,
cometerão
convosco, e não duvido
que vencedor
vos façam, não vencido.
|
aparelhados-
preparados;
ásperos
mandados- ordens difíceis de cumprir;
sem
dar reposta- sem contestar; sem ripostar;
cometerão-
atacarão.
|
|
ouvir II | |||
149-
.
.
.
.
.
.
.
|
Favorecei-os
logo, e alegrai-os
com a presença
e leda humanidade;
de rigorosas
leis desalivai-os,
que assim se
abre o caminho à santidade.
Os mais experimentados
levantai-os,
se, com a experiência,
têm bondade
para vosso
conselho, pois que sabem
o como, o quando,
e onde as cousas cabem
|
leda
humanidade- alegre trato;
desalivai-os-
aliviai-os;
levantai-os-
promovei-os;
têm
bondade para vosso conselho- têm competência para vossos
conselheiros.
|
|
150-
.
.
.
.
.
.
.
|
Todos favorecei
em seus ofícios,
segundo
têm das vidas o talento;
tenham religiosos
exercícios
de rogarem,
por vosso regimento,
com jejuns,
disciplina, pelos vícios
comuns; toda
ambição terão por vento,
que o bom Religioso
verdadeiro
glória vã não
pretende nem dinheiro.
|
todos
favorecei em seus ofícios (etc...)- todos
apoiai (com leis benignas) nas suas profissões, que exercem segundo
as suas aptidões;
de
rogarem por vosso regimento- de rezarem pelo vosso reinado;
toda
a ambição terão por vento- serão desinteressados.
|
|
151-
.
.
.
.
.
.
.
|
Os Cavaleiros
tende em muita estima,
pois com seu
sangue intrépido e fervente
estendem não
sòmente a Lei de Cima,
mas inda vosso
Império preminente.
Pois aqueles
que a tão remoto clima
vos vão servir,
com passo diligente,
dois inimigos
vencem: uns, os vivos,
e (o que é
mais) os trabalhos excessivos.
|
remoto
clima- regiões remotas.
|
|
152-
.
.
.
.
.
.
.
|
Fazei, Senhor,
que nunca os admirados
Alemães, Galos,
Ítalos e Ingleses,
possam dizer
que são para mandados,
mais que
para mandar, os Portugueses.
Tomai conselho
só d'experimentados,
que viram largos
anos, largos meses,
que, posto
que em cientes muito cabe,
mais em
particular o experto sabe.
|
Galos-
franceses (de "Gália"- França);
que
nunca.. possam dizer que são para mandados, mais que para mandar,
os Portugueses- que nunca possam dizer que os Portugueses são
uma nação servil, em vez de senhorial;
posto
que em cientes muito cabe (etc...)- apesar dos estudiosos terem muitos
conhecimentos (teóricos), os experientes sabem mais do concreto.
|
|
153-
.
.
.
.
.
.
.
|
De Formião,
filósofo elegante,
vereis como
Anibal escarnecia,
quando das
artes bélicas, diante
dele, com larga
voz tratava e lia.
A disciplina
militar prestante
não se aprende,
Senhor, na fantasia,
sonhando, imaginando
ou estudando,
senão vendo,
tratando e pelejando.
|
Formião-
filósofo grego que discursou perante o general Aníbal sobre
a arte da guerra;
pelejando-
combatendo.
|
|
154-
.
.
.
.
.
.
.
|
Mas eu que
falo, humilde, baixo e rudo,
de vós não
conhecido nem sonhado?
Da boca dos
pequenos sei, contudo,
que o louvor
sai às vezes acabado.
Nem me falta
na vida honesto estudo,
com longa experiência
misturado,
nem engenho,
que aqui vereis presente,
cousas que
juntas se acham raramente.
|
Mas
eu que falo, humilde (etc...) de vós não conhecido nem sonhado?-
Mas quem sou eu, que vós (o Rei) nem conheceis, para assim falar?
acabado- perfeito.
|
|
155-
.
.
.
.
.
.
.
|
Para servir-vos,
braço às armas feito,
para cantar-vos,
mente às Musas dada;
só me falece
ser a vós aceito,
de quem
virtude deve ser prezada.
Se me isto
o Céu concede, e o vosso peito
digna empresa
tomar de ser cantada,
como a pressaga
mente vaticina
olhando a
vossa inclinação divina.
|
só
me falece (etc...)- só me falta ser por vós aceite (como
conselheiro?), pois tenho merecimentos que devem ser reconhecidos;
se o vosso peito digna empresa tomar de ser cantada- se vos lançardes
num cometimento digno de ser celebrado em verso;
como
a pressaga (etc...)- como se pressente da vossa propensão inspirada
por Deus.
|
|
156-
.
.
.
.
.
.
.
|
Ou fazendo
que, mais que a de Medusa,
a vista
vossa tema o Monte Atlante,
ou rompendo
nos campos de Ampelusa
os muros de
Marrocos e Trudante,
a minha já
estimada e leda Musa
fico
que em todo o mundo de vós cante,
de sorte
que Alexandre em vós se veja,
sem à dita
de Aquiles ter inveja!
|
O
poeta realça o poder da sua arte dizendo: asseguro (fico)
que em todo o mundo serão declamadas as poesias que exaltarão
os vossos feitos, fazendo que em Marrocos sejais mais temido que tudo-
Atlas, que deu o nome à cordilheira marroquina (também chamada
Atlante) teria sido transformado em pedra pela visão da
cabeça de Medusa- de maneira que Alexandre Magno se reveja
em vós sem ter, assim, que invejar a glória de Aquiles (herói
da Ilíada).
|
|
- ouça estas estâncias-1ªParte ; Ouça a 2ª Parte | |||
FIM d' OS
LUSÍADAS
|
João
Manuel Mimoso
|
||