NOTA:
sobre este poema leia-se o comentário de Soares Feitosa
no Jornal da Poesia:
"
O leitor já tem todo o direito de ir dizendo: "Também, com Pessoa, é moleza...".
Nada disso. Só neste poema, de tudo o que li de Pessoa, há o abismo-absoluto-e-inesperado
— hifenizei: abismo-absoluto-e-inesperado. A mesma angústia da falta de tempo
do Anjo sobre as águas... Em análise: Trata-se de um poema “geográfico”, mero
comparatório do mapa físico da Europa com a efígie de uma pessoa. A Europa
jaz, posta nos cotovellos: De Oriente a Occidente jaz, fitando, E toldam-lhe romanticos
cabellos Olhos gregos, lembrando. Nada de extraordinário até aqui. Os fiordes
escandinavos realmente parecem uma cabeleira vasta. O cotovello esquerdo é
recuado; O direito é em angulo disposto. Aquelle diz Italia onde é pousado; Este
diz Inglaterra onde, afastado, A mão sustenta, em que se appoia o rosto. Ainda
sem maior interesse. Dir-se-ia — e aí precisamente mora o perigo — um poema bobo.
Confira no mapa da Europa — é assim mesmo: os acidentes Itália e Inglaterra seriam
os cotovelos de uma jovem. Fita, com olhar sphyngico e fatal, Occidente, futuro
do passado. Aqui a coisa já começa a “complicar”. Anunciam-se borrascas e
temporais: Fita, com olhar sphyngico e fatal,/ O Occidente, futuro do passado.
Mas, finalmente, mas: O rosto com que fita é Portugal. Feche o livro,
caro leitor, respire fundo e contemple o Infante preparando as navegações daquela
nesga minúscula, simplório enclave geográfico no mapa d’Espanha... — quanta glória!!!
Ah, meu Deus, quanta glória em 7 (sete, misticamente sete — dizem que Mensagem
é uma mensagem misticamente cifrada, parece que é!), sete palavras apenas para
tamanha grandiosidade. Os lusos, Os Lusíadas, a própria Ode Marítima, esta do
mesmo Pessoa, contidos nesta frase perfeita: O rosto com que fita é Portugal.!
Disse Pessoa a frase perfeita. Veja o caro leitor se tenho razão em chamá-la perfeita.
O rosto — de quem, o rosto? — do mapa anteriormente descrito, o rosto da Europa,
símbolo então de toda a civilização ocidental, o rosto da Humanidade, o rosto
de Deus? Quem, afinal, fita o mundo?! Agora percebemos que a estrofe anterior
— o olhar sphyngico — era terreno preparatório (Batista, às margens do Jordão,
batizando o Cristo) para o grande final, o rosto que fita, onde fitar não é simplesmente
sinônimo de olhar. Portugal, no extremo (ou no início!) do mapa e no extremo do
verso, FUNDA o mundo e o domina! E na ponta da lança dos seus guerreiros, o missal
dos frades enlouquecidos, a esmagar os deuses das novas terras, em nome do Cristo!
Quem olha, afinal? A Cruz-de-Malta?! Já não há mais tempo: eis o abismo, caia
nele, de ponta!".
English version An
introduction to the poem: The
castles in the Portuguese coat-of-arms represent walled towns that were conquered
from the Moors in medieval times. Thus, the field of the castles pertains to the
materiality in the country. Appropriately this first poem in Mensagem starts by
a brief description of the map of Europe and of the geographic position of Portugal
in it. According to the mythic origin of the continent, Europe is a woman whose
Greek eyes remind us of the racial and cultural origin of the Portuguese nation
(which Pessoa believed to be rooted in pre-classical Greece). But,
as often happens in Pessoa's best work, a final twist makes us review the simplicity
we had laid out in our minds. Europe is staring out west to the future of the
past and... the staring face is Portugal! A double meaning is intended:
on one side, this is a clear reference to the fact that Portugal has, in the past,
sought its destiny in the sea and consequently spearheaded the European expansion
overseas; but on the other side the mention of the future means that the saga
is not over yet and that the future of Europe still awaits out west. According
to Fernando Pessoa's belief, Portugal will, one day, again show the way and that
profecy is the Message itself... The
Field of the Castles Europe
lies, reclining upon her elbows:
From East to West she stretches, staring,
And romantic tresses fall over Greek
eyes, reminding.
The left elbow is stepped back;
The other laid out at an angle.
The first says Italy where it leans;
This one England where, set afar,
The hand holds the resting face.
Enigmatic and fateful she stares Out
West, to the future of the past. The
staring face is Portugal.
NOTA:
Li a tradução de 1997 do Prof. Mike Harland
antes de produzir as minhas versões.
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