A AGÊNCIA PORTUGUESA DE REVISTAS
  
ANOS DE OURO (1958-1962)- Parte I
 





por João Manuel Mimoso

 

 

Os anos editoriais da Agência Portuguesa de Revistas coincidiam frequentemente com os anos escolares: no Outono eram anunciadas novas iniciativas, cujo lançamento ocorria em geral entre Outubro e Janeiro.

Em Outubro de 1957 começaram, assim, a sair à estampa as iniciativas editoriais de 1958: a revista infantil Mariazinha; o quinzenário TV-Magazine; e o semanário Romance. Todas estavam destinadas ao fracasso, mas com trajectórias e valias diferente.

Mariazinha era uma pequena revista no formato 19 x 13 cm com 32 páginas de histórias de BD para crianças, curiosidades, contos, passatempos e humor. Foi planeada já depois da formação da Íbis- e provavelmente por isso baseia-se em BD italiana- mas antes da Agência ter perdido a distribuição das publicações da nova editora.

  
      
 

Durante Setembro de 1957 a revista foi anunciada na Crónica Feminina com uma campanha cujo mote era "Vem aí Mariazinha... O que será?". No entanto, quando saíu o primeiro número- provavelmente em Outubro- o seu lançamento não foi sequer referido pela revista que, sendo comprada pelas mães, deveria ser o veículo preferencial da sua promoção. Aliás a Crónica Feminina nunca mais referiu a Mariazinha, nem sequer para responder ao "O que será?". Este desinteresse parece indicar que à data do lançamento já teria sido decidido não dar continuidade à revista.

Mariazinha terminou com o nº10, provavelmente quando se esgotou o conjunto de histórias originalmente comprado. O seu cancelamento indicia que a perda conjunta da distribuição das colecções de cromos da Bruguera (que devia representar uma receita substancial) e da principal fonte de originais das colecções de livros, teve consequências mais profundas para a Agência do que aparenta, estendendo-se a títulos que não tinham qualquer relação com a editora catalã.

  
    
 

O primeiro número do quinzenário TV-Magazine foi posto à venda a 15 de Outubro de 1957 e é um dos raros exemplos de revista de qualidade a que o tempo aumentou o interesse. Com 18 páginas em bom papel, no formato 33 x 24 cm, e capa a cores (algumas capas são, ainda hoje, verdadeiramente deslumbrantes) TV-Magazine era uma revista genericamente dedicada à televisão e às suas personalidades, mas abrangendo no seu domínio actividades afins no contexto nacional, tais como a rádio, o teatro, e os espectáculos em geral.

Dirigida por Vitor Direito e com a colaboração, entre outros, de Artur Portela (Filho), a revista era profusamente ilustrada com fotografias de excelente qualidade, constituindo um documento fascinante sobre os alvores da televisão em Portugal. São particularmente notáveis as reportagens "por detrás das câmaras" com imagens dos estúdios da RTP durante as transmissões televisivas em directo.

  
     
 

No número 15, publicado em 15 de Maio de 1958, o TV-Magazine abre com um editorial intitulado "Até à vista" em que se despedia dos seus leitores, anunciando ser aquele o último número. Havia uma promessa de voltar que, como é costume nestes casos, nunca se concretizou. É dada uma breve explicação sobre os motivos da terminação: segundo o editorial a circulação era razoável, tendo em atenção o mercado, mas o custo da publicação e, em particular, das soberbas capas fotolitografadas exigia uma receita de publicidade que nunca fora alcançada.

Em retrospectiva a revista era seguramente uma produção muito cara e só se poderia justificar como edição de prestígio, o que exigia um enquadramento de desafogo financeiro que raramente existiu na Agência e muito menos na Primavera de 1958. O formato era demasiadamente grande, o que desincentivava os consumidores e implicava custos de produção acrescidos.

  
     
 

Mas o que seguramente condenou a revista ainda antes da publicação do seu primeiro número foi o facto de as emissões regulares de televisão estarem nos seus primórdios. A cobertura só abrangia ainda uma pequena fracção do País e, nesta época, um aparelho de TV custava cerca de metade do preço de um pequeno automóvel... Os responsáveis da revista compreenderam a exiguidade do mercado e tentaram compensá-la expandindo o âmbito a outros espectáculos, mas mesmo aí estavam limitados porque não podiam conflituar com a Plateia que era um dos pilares da editora e ensaiava na mesma época um novo formato.

O TV-Magazine foi, assim, um quinzenário de televisão lançado num país que praticamente ainda não a tinha. E é curioso notar que teve que se esperar mais cinco anos para a própria RTP lançar uma revista semelhante - o semanário TV aparecido a 2 de Maio de 1963 - mas cuja qualidade e diversidade eram muitíssimo inferiores ao já então esquecido TV-Magazine.

   
     
 

Romance era um jornal de contos e novelas, com um formato tablóide reminiscente da primeira série da revista Crónica e d'O Mundo de Aventuras original. As novelas publicadas eram, tanto de origem estrangeira, como de produção nacional, tal como a ilustração. Apesar da nota introdutória ao primeiro número, saído a 19 de Outubro de 1957, apresentar a publicação como "o seu jornal, prezado leitor" os títulos e conteúdos de algumas das novelas nele publicadas ( "O Amor Bruxo"; "A vítima inocente"; "Uma mulher honesta", "Cruel era o seu destino";...) e o próprio nome do semanário identificam-no como uma publicação romântica, cujo principal alvo era o público feminino.

No formato tablóide Romance não teve o sucesso esperado e os editores decidiram-se por uma reformulação gráfica, tendo saído um novo nº1, agora com a forma de revista, a 4 de Janeiro de 1958.

  

 

 

  
 

Romance era, agora, uma réplica quase exacta da revista do mesmo nome publicada cinco anos antes pela Editorial Organizações. Nesta nova forma o preço subiu dos 1$50 originais para 2$50 mas a diversidade dos conteúdos, as atraentes capas de Carlos Alberto Santos e de José Antunes, e o grafismo interior pareciam poder fazer prever um sucesso que aparentemente não teve, uma vez que apenas durou seis meses.

Ao contrário de outras publicações da Agência, Romance ainda hoje ocorre com certa frequência no mercado alfarrabista e nas feiras de rua, o que parece sugerir que a circulação não era afinal diminuta e que a revista poderia ter acabado por ser rendável se tivesse sido aguentada durante mais algum tempo. O seu fim coincidiu quase exactamente com o do TV-Magazine o que sugere que o cancelamento de ambos os títulos pode ter tido uma causa comum: a necessidade de limitar os investimentos de risco, face a uma diminuição das receitas.

  
      
 

No dia 1 de Janeiro de 1958 a Agência Portuguesa de Revistas apresentou o longamente anunciado novo formato da revista Plateia "uma revista" - segundo os editores - "ao nível das melhores estrangeiras". A revista tinha agora 32 páginas em papel de maior gramagem num formato mais compacto: 24 x 17 cm, com capa e contracapa a cores. Em contrapartida deixou de incluir o já tradicional suplemento a cores...

Plateia foi a primeira das publicações-base da Agência a ser revista. A longevidade do novo formato comprova o seu sucesso e terá, talvez, inspirado a reformatação do Mundo de Aventuras, ocorrida 18 meses mais tarde.

  
      
 

Enquanto o sucesso da última colecção de cromos da Íbis/Bruguera a ser distribuída pela Agência (A Conquista do Espaço) ainda perdurava, a editora anunciou a sua próxima iniciativa no campo- desta vez sem lhe poupar a publicidade nas suas outras publicações. Tratava-se de Trajos Típicos de Todo o Mundo.

Face à cisão com a Íbis, Mário de Aguiar encomendara atempadamente a Carlos Alberto Santos uma colecção original- a primeira colecção que o desenhador produziu desde a História de Portugal de 1953. No periodo de dez anos, até 1969, a Agência iria editar 18 colecções próprias, além das colecções espanholas compradas a editoras concorrentes da Bruguera. Este investimento na produção de colecções de cromos nacionais é uma das consequências positivas da perda da distribuição das edições da Íbis/ Bruguera. Graças a ela tivemos colecções como História de Lisboa, Campeões Nacionais, Camões, ou Romeu e Julieta que, de outra maneira, podiam nunca ter sido produzidas.

  
     
 

Mas houve uma outra consequência muito mais extraordinária: neste período, quando se esperaria uma retracção das edições de livros, a Agência, pelo contrário, aumentou o número de colecções publicadas. E fê-lo, em parte, à custa da promoção de autores portugueses.

A Colecção Negra é exemplar a este respeito e particularmente interessante por se tratar de literatura policial. O nº1 foi lançado em meados de 1957 e todos os títulos até ao nº4 tiveram autores estrangeiros. O nº5, Uma bala no coração, saído em finais de 1957, tinha como autor "Jim O'Connor" e tradutor "José de Oliveira Cosme". Na verdade Oliveira Cosme foi o autor (como comprova a existência de uma cópia dedicada ao desenhador José Antunes) e o uso do pseudónimo pretendia quebrar o preconceito que os leitores teriam contra os autores nacionais.

  
      
 

Saíram, assim, 45 títulos policiais até 1963, passando a série a editar originais franceses a partir do nº50. Entre os autores portugueses (quase todos escrevendo sob pseudónimo) contam-se Amílcar Goulart; Tomás Ribas, Pedro de Sagunto, Laura Mendonça, Josué Augusto da Silva, Ângela Caires, Fernando Alberto Pimentel, e muitos outros.

As outras colecções de autores portugueses foram as românticas Violeta (iniciada em finais de 1957, publicou 45 títulos até 1961- à esquerda o nº17), Vénus (iniciada em 1958, publicou 32 títulos até 1960), e Amorzinho (publicava anteriormente autores estrangeiros mas passou, a partir do nº 61 e até ao 132 a publicar originais de Alice Ogando). E ainda a Enciclopédia Recreativa (publicou 12 títulos) e a Colecção Humor (publicou 4 títulos).

Além disso, diversos títulos das colecções Camélia, Detective, Serviço Secreto, Arizona, e Bisonte foram, nesta época, escritos por portugueses sob pseudónimo.

  
      
 

Houve ainda uma outra colecção notável que importa referir. Chamou-se Colecção Romances de Amor e publicou cerca de 30 títulos entre 1958 e 1961. Neste caso, não só os autores são portugueses mas o editor reforça o facto compondo a capa com as cores da bandeira nacional, o que parece significar que, pelo menos no género romântico, se reconhecia já não ser prejudicial admitir a verdadeira nacionalidade dos autores. Mas esta colecção não era publicada pela Agência Portuguesa de Revistas, mas antes pelas "Edições Mãos de Fada de Mário de Aguiar"!

Na mesma época saíram outras colecções de livros de autores estrangeiros, também publicadas pela editora de Mário de Aguiar: Chama (de género Romântico), Valentes (de Acção), Pólvora (cowboys), e a interessante Espaço (de Ficção Científica escrita por autores espanhóis).

  
      
 

Esta aparente incongruência editorial indica, provavelmente, que terá havido um desacordo entre Mário de Aguiar e António Dias: o primeiro queria publicar mais, sempre mais colecções; o segundo queria limitar a dispersão de títulos... e então Mário de Aguiar resolveu a questão através da sua própria editora. Se as coisas realmente se tiverem passado assim, a solução encontrada não foi certamente a mais saudável para a solidez da sociedade dos dois homens.

Fosse como fosse, as edições de Mário de Aguiar compartilhavam com as da Agência o característico aspecto gráfico e a distribuição. Além disso, eram anunciadas nas outras publicações da Agência como edições suas e contribuíam para o número de títulos que a editora orgulhosamente anunciava como próprios.

  
      
 

Neste periodo a Agência iniciou a publicação de diversas novas colecções de livros e é provável que tenha sido a sua proliferação que levou António Dias a pôr um travão ao excesso de iniciativas neste campo. Essas colecções foram as: Pérola (iniciada em finais de 1957), Cisne, Boa-Fé, Rubi e Sérgio Duval (todas de género Romântico); Dois Homens Bons (cowboys); Selecções FBI, que tentava aproveitar a popularidade da já antiga colecção FBI; Mocho (acção) e ainda Sally Baxter- Reporter, Shirley Flight- Hospedeira do Ar, e Kit Hunter- Amazona, três colecções de aventuras para raparigas.

Numa classe à parte estava a colecção Zane Grey, com obras do conhecido autor de romances do Oeste americano. A colecção, de grande formato e apresentação especialmente cuidada, começou a ser publicada em 1958 ao preço de 22$50 (quase o triplo de um romance vulgar)- à esquerda ilustra-se o nº17, com uma excelente capa de Carlos Alberto Santos.

  
      
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