A AGÊNCIA PORTUGUESA DE REVISTAS
   
CHEGAM OS CROMOS! (1952-1953)
  
por João Manuel Mimoso

 

 

No início de Outubro de 1951 foi publicada uma notícia no Mundo de Aventuras informando da próxima colocação no mercado de uma colecção de cromos-surpresa: Os Três Mosqueteiros, constituída por fotogramas coloridos do filme homónimo da Metro-Goldwyn-Mayer. Uma notícia semelhante saiu no Condor do mês seguinte... mas um mistério rodeia o que se passou a seguir: na verdade a colecção acabou por só ser lançada nove meses depois de anunciada, em Junho de 1952. Existem três edições diferentes do álbum com capas diversas, numa das quais (a 1ª?) foi utilizado o fotólito da capa original, com o nome em português impresso num papel branco e colado sobre o nome em espanhol, e pelo menos três edições diferentes dos cromos das quais uma se destaca por não ter legenda impressa no verso, mas apenas o número do cromo, aposto com um carimbo...

A acreditar no que relatam o Mundo de Aventuras e a Plateia, a aceitação da novidade ultrapassou todas as expectativas e os álbuns esgotaram-se rapidamente, suscitando uma urgente 2ª edição. A editora tinha descoberto uma verdadeira mina de ouro!

  
      
 

Entretanto, enquanto Os Três Mosqueteiros não saíam, a Agência experimentou um novo domínio editorial com a publicação, a 22 de Janeiro de 1952, do primeiro número da revista de humor Risota. Inicialmente dirigida e editada por José de Oliveira Cosme e baseando-se quase integralmente em cartoons de origem estrangeira, a Risota foi depois confiada à direcção de Roussado Pinto e mais tarde à de Baptista Rosa.

Em finais de 1953, tinha evoluído para um formato em que cerca de metade da revista era preenchida com textos, muitos deles originais, de Santos Fernando, Ferro Rodrigues e outros. A qualidade da revista era, nessa época, digna de nota.

Também em 1952 foi lançada a revista de passatempos Enigma, com o mesmo aspecto gráfico da Risota, que apenas durou sete números.

  
      
 

Em meados de 1951, a Agência Portuguesa de Revistas tinha comprado uma novelização ilustrada d'Os Miseráveis de Victor Hugo. Tratava-se de uma espécie de banda desenhada de Gaston Niezab com texto sob cada imagem, em vez dos tradicionais balões de diálogo. A intenção inicial seria a publicação no Mundo de Aventuras, como uma BD de continuação, tendo o início estado agendado para o nº 108.

No entanto a ideia original foi abandonada e o trabalho acabou por ser publicado em oito revistas separadas, com o formato do Mundo de Aventuras, ao preço de 2$00 cada. A iniciativa foi, talvez inesperadamente, um sucesso e estes volumes, com bom desenho mas pouco valor lúdico, ainda hoje se encontram com certa facilidade no mercado coleccionista.

  
      
 

Esse sucesso sugeriu a exploração do nicho assim descoberto e a 1 de Junho de 1952, no mesmo dia em que a primeira colecção de cromos foi posta à venda, saiu também o primeiro número do novo periódico Antologia de Romances Célebres. Tinha um preço de capa de 2$50 e era uma publicação que oferecia a novelização, em banda desenhada de continuação, de grandes clássicos da literatura mundial. Cada volume encadernável seria constituído por dez revistas, incluindo três ou mais romances.

A primeira novela publicada foi "O Conde de Monte Cristo" (nºs 1 a 5), seguindo-se "A Máscara de Ferro", cuja primeira parte partilhou o nº5 com o romance anterior, seguindo-se diversos outros. Mas o título vendeu-se sempre mal e os editores tentaram várias maneiras de aliciar o público (incluindo boas capas de Vítor Péon impressas a várias cores, e alterações do número de romances incluídos em cada número). Todos os esforços foram infrutíferos e a publicação terminaria no nº 24.

  
      
 

No início de Setembro de1952 foi posta à venda a segunda colecção de cromos da Agência, a bela Famosas Estrelas de Cinema, também originária da editorial Bruguera. A colecção não teve sucesso, presumivelmente por ter já sido editada no mercado português pela Fábrica de Caramelos Águia. Pelos $40 que custava um pacote com três cromos da Agência, compravam-se quatro caramelos Águia com os respectivos cromos e ainda a possibilidade de ganhar prémios... Além disso a colecção oferecida pela Fábrica Águia tinha os 156 cromos originais, contra apenas 141 cromos na versão vendida pela Agência.

Não se sabe como foi possível a duplicação, mas uma hipótese é de que a colecção da Águia, anterior, tenha sido impressa à revelia da Bruguera. É possível que tenha sido compulsivamente retirada do mercado porque é muito mais rara do que uma semelhante anteriormente editada pela mesma fábrica.

  
      
  Depois de Branca de Neve e os 7 Anões (Novembro de 1952), também de origem espanhola mas cujos cromos foram redesenhados em Portugal, e Os Filhos dos 3 Mosqueteiros (que foi a primeira colecção vendida em envelopes-surpresa de produção nacional, já que os cromos foram executados por José Manuel Soares que retocou fortemente e coloriu à mão fotogramas do filme cedidos pelo distribuidor da RKO em Portugal – ver exemplo à esquerda). Saiu ainda, em Maio de 1953, A Gata Borralheira, outra colecção da Bruguera, antes de, finalmente, Carlos Alberto Santos dar por concluída a épica História de Portugal, lançada em Outubro de 1953.   
      
 

No início desse ano tinha havido uma outra iniciativa relevante por ter constituído a primeira incursão da Agência no mercado verdadeiramente infantil. Tratou-se da publicação da bela Colecção Branca de Neve (Colección Blancanieves), também da Editorial Bruguera, que começara a ser publicada em Espanha alguns anos antes e de que muitos números foram soberbamente ilustrados por Ángel Pardo.

Em Portugal foram publicados 32 números, aparentemente em rápida sucessão, muitos dos quais com as capas originais e uma folha de rosto desenhada por José Manuel Soares. As contracapas incluíam, tal como nos originais, uma construção (figuras e trajos) e por isso encontram-se frequentemente amputadas.

  
      
 

A 1 de Março de 1953, no dia exacto do 5º aniversário oficial da editora, saiu o primeiro número da revista Cinema. Tratava-se, inicialmente, de um periódico do formato da Plateia que, ao preço de 3$00, incluía resumos de filmes em texto e fotografia (cerca de 100 imagens em cada número) numa base de continuação, tratando 9 a 12 filmes em cada número.

A publicação não teve sucesso mas os editores compreenderam que o principal problema residia nos curtos trechos publicados em cada número, que impediam uma visão de conjunto dos filmes. O formato foi terminado com o nº 20, que completou o primeiro volume. O nº 1 do segundo volume saiu em Outubro de 1953, com um formato menor mas com mais páginas e incluindo agora o resumo completo de vários filmes, além de outros numa base de continuação. Tinha também um grafismo interior totalmente diferente, com muito mais texto e menos imagens. A circulação subiu mas a revista só teria verdadeiramente êxito quando passou a dedicar cada número a um só filme, com capa a cores e um preço mais acessível (1$50).

É provável que a imposição de formatos "de continuação" em temas que o não justificavam fosse um erro. Já vitimara a Antologia de Romances Célebres e haveria de vitimar, contra todas as expectativas, a revista Rato Mickey alguns anos mais tarde.

  
     
  Outra novidade do ano foi o início da publicação da Crónica, "semanário das grandes reportagens", cujo primeiro número saiu a 4 de Junho de 1953. O título, talvez inspirado pela homónima publicação espanhola, havia de estar na origem dos nomes de outras publicações da Agência. Da Crónica saíram seis números de grande formato, após o que foi reformulada saindo um novo nº 1 a 16 de Julho de 1953, agora com o formato reduzido para o do Século Ilustrado, seu principal concorrente (35x24,5 cm), e ao preço de 1$50, em breve aumentado para 2$00. Dirigida por Mário de Aguiar e por António Feio, a Crónica passou a contar, a partir deste número, com a colaboração de Roussado Pinto que se responsabilizaria imediatamente por uma fracção importante do conteúdo. Uma outra colaboração suscitada por esta revista é, em perspectiva, notável. Trata-se de Milai Bensabat, repórter, contista e tradutora, que viria a dirigir, durante muitos anos, a Crónica Feminina.   
      
   Em fins de Maio de 1953 realizou-se a Feira do Livro de Lisboa, no Rossio, que, como era hábito, se prolongou até Junho. A Agência ocupou o stand nº 17 e numa página separada inclui-se um folheto publicitário alusivo que evidencia o leque de publicações oferecidas.   
      

Ao completarem-se cinco anos desde a formação da empresa, o próprio Mário de Aguiar resumiu apropriadamente, num editorial da revista Mãos de Fada, as incertezas, dificuldades e angústias do período de formação e estabilização da oferta: "Mãos de Fada foi a primeira pedra do edifício levantado à custa de muito trabalho, de esforços inimagináveis, de canseiras físicas e morais. À sua frente viu surgir outras edições que, se nem sempre foram êxitos, pelo menos atestam a boa vontade dos seus editores que sacrificam, muitas vezes, interesses pessoais por uma boa apresentação gráfica e por um preço de capa reduzido. Trabalham para o público e do público têm recebido a confiança necessária para prosseguirem (..)". Numa página separada inclui-se o texto completo e, também, o editorial da Plateia dedicado ao aniversário da empresa e a notícia da festa comemorativa (foto). Quatro semanas mais tarde os dois sócios compareceram de novo no notário para registarem um alargamento do objecto da empresa, agora "o anterior e, por autorização especial, o ramo editorial, bem como qualquer outro negócio nos termos da lei". E registaram também o uso comercial do nome "Agência Portuguesa de Revistas".

O ano de 1953, que deve ter sido extenuante de actividade febril, terminou no empolgante sucesso da colecção de cromos História de Portugal. O facto de se tratar de uma colecção de concepção e produção totalmente nacionais, longamente planeada e cuidadosamente executada, deve ter dado ao êxito um sabor muito especial. A Agência Portuguesa de Revistas tinha agora três sólidos pilares em que alicerçar o futuro: a banda desenhada, liderada pelo Mundo de Aventuras; as publicações para cinéfilos, cuja face mais visível era a Plateia; e as colecções de cromos-surpresa. Faltava ainda emergir o quarto e último pilar: o grupo de revistas publicado sob o nome Crónica Feminina, mas isso é uma outra história, num outro ano que, nessa época, era ainda longínquo – pelo menos ao ritmo estonteante a que as novidades se sucediam nas modestas instalações da Rua do Arsenal. Instalações que, no ano seguinte, seriam substituídas por outras mais amplas, que dariam suporte físico ao crescimento continuado. E o músculo financeiro resultante dos sucessos recentes seria em breve exercitado em novos cometimentos.

2006-01-24
Agradecimentos
     
Ler a 4ª Parte da história da Agência
  
>voltar ao índice da APR