História
dos cromos
em envelopes surpresa
em Portugal (1952-1969) | ||
Em Portugal, a história destes cromos começa com Mário de Aguiar que em 1949 formou, com António Dias, a Agência Portuguesa de Revistas (APR). Nesta época, os cromos em envelopes surpresa tinham sido lançados há cerca de 10 anos em Espanha, pela Editorial Bruguera de Barcelona. O sucesso local das colecções da Bruguera e a difusão que, em Portugal, tinham os cromos dos rebuçados devem ter sugerido ao dinâmico empresário uma iniciativa semelhante. A primeira ideia de Mário de Aguiar foi a edição de uma colecção própria, tendo como tema a História de Portugal e para a ilustrar escolheu um jovem desenhador de 16 anos que trabalhava na Fotogravura Nacional e se chamava Carlos Alberto Santos. Os primeiros cromos foram desenhados como encomenda da APR à Fotogravura Nacional, mas posteriormente passaram a ser encomendados directamente a Carlos Alberto que passou, assim, a actuar como freelancer. | ||
Como a elaboração da História de Portugal se prolongasse, a APR comprou as suas primeiras colecções de cromos à Bruguera e anunciou em inícios de Outubro de 1951, no Mundo de Aventuras nº112, o próximo lançamento da colecção "Os Três Mosqueteiros" nos seguintes termos "A grande obra de Alexandre Dumas de uma maneira inteiramente nova e original: o texto é publicado num album, com a indicação para colocar os bonecos. Os bonecos são vendidos separadamente, em série de três num envelope surpresa"! No entanto o lançamento atrasou-se e só foi concretizado em Junho de 1952. Na semana seguinte anunciava-se no Mundo de Aventuras nº 148: "Esgotou-se em 2 dias a 1ª edição de albuns de luxo"; e no 152 de 10/7 "Já está à venda a 2ª edição"! | ||
A primeira colecção feita em Portugal foi "Os Filhos dos Três Mosqueteiros" com imagens do filme homónimo da RKO. O distribuidor forneceu à APR um conjunto de fotogramas a preto e branco que foram coloridos nos negativos por José Manuel Soares. O resultado foi um grafismo único na história dos cromos. Sem ser bela, esta rara colecção tem, no entanto, um encanto especial... A colecção foi lançada no início de Março de 1953. Por essa época, o sucesso das colecções de cromos da Agência atraíu o primeiro concorrente, que publicou "O Mundo Maravilhoso do Reino Animal" com cromos desenhados por M.Mendonça. No entanto o grafismo não era particularmente atraente e a colecção não teve êxito relevante. | ||
Em Outubro de 1953 a APR publicou finalmente "História de Portugal" com cromos de Carlos Alberto Santos (que passaria, a partir do ano seguinte, a trabalhar para a Agência). O artista desenhou os cromos a tinta da china. Estes foram depois reproduzidos em tamanho real, com impressão a azul, e coloridos nessas provas. O resultado lembra uma banda desenhada aguarelada e estabeleceu um novo padrão de referência no cromo português. A "História de Portugal" veio a ter mais de uma vintena de edições, a última das quais em finais de 1973. Os interesses da Editorial Bruguera junto da APR eram representados por Jaime Mas. Este estava ligado à pequena Editorial Ibis que tinha tido algumas iniciativas no campo da banda desenhada. Em 1957/58 a colecção de cromos "A Conquista do Espaço" foi apresentada como lançamento da Agência Portuguesa de Revistas, que referia a colecção como sua, mas a contracapa do album mencionava, também, a Editorial Ibis. A partir daí deu-se uma cisão entre Jaime Mas e Mário de Aguiar que resultou na perda, para a APR, da relação com a Editorial Bruguera no que respeitava ao fornecimento de colecções de cromos. Estes passaram a ser editados directamente pela Ibis com distribuição pela Livraria Bertrand. |
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A partir de 1958 e durante cerca de 10 anos estabeleceu-se uma bipolarização da oferta, com ganho para os coleccionadores. Por um lado a Ibis lançava uma catadupa de colecções Bruguera de grande qualidade gráfica (tais como "História Natural", "Figuras Imortais", "História do Automóvel" ou "Cine Foto") enquanto que a Agência lançava colecções de outras editoras (tais como a memorável "Navios e Navegadores" da Editorial Crisol) e investia na produção própria com resultados como a mítica "História de Lisboa" de 1960, "Campeões Nacionais" ou "Camões". Neste ambiente de feroz competição entre duas editoras consolidadas no mercado, não é difícil compreeender a falta de espaço para o sucesso de outros eventuais concorrentes. | ||
Em relação às colecções de cromos, a década de 1960 acabou, no entanto, num ambiente muito diferente do do seu início. Em Barcelona a Bruguera perdera a frescura dos primeiros vinte anos. Corroída pela concorrência feroz que também se verificava em Espanha, começou a editar colecções cada vez menos cuidadas. A Ibis, que dela dependia quase inteiramente, compartilhou também com ela a fatalidade... A Agência tinha, por outro lado, tentado superiorizar-se à concorrente inundando o mercado de novas colecções a um ritmo alucinante (cerca de 4 por ano) e com a quantidade é sempre a qualidade que perde! A entrada no mercado do cromo, em 1969, do primeiro de vários novos concorrentes que se afirmaram (muitas vezes com cromos fotográficos de motivos desportivos) marca o fim da época de ouro das colecções em envelopes surpresa. | ||
A Agência Portuguesa de Revistas ainda lançou colecções de mérito tais como "Pedro Álvares Cabral" de 1972 ou "Os Fidalgos da Casa Mourisca" (1973?), bem como alguns dos seus concorrentes (por exemplo, "Os Conquistadores do Universo" desenhada por Vitor Péon e publicada pela Editorial Campo Verde em 1981) que sobressaem do enquadramento geral do cromo português, mas deixarei para outros a história dessa época. Em 1973 Mário de Aguiar vendeu a sua quota na Agência Portuguesa de Revistas, que acabaria por soçobrar uma década mais tarde. Carlos Alberto Santos abandonou a APR no final desse ano. Em 1974 romperia com a editora por causa dos direitos de autor sobre as sucessivas edições da História de Portugal. Deixou algumas colecções em vários estados de acabamento que nunca viriam a ser publicadas. Começou depois, para outro editor, uma colecção que seria um hino monumental ao cromo mas que foi apenas iniciada. Dela resta-nos 18 originais para mostrar o que poderia ter sido e nunca será. | ||
O passado não volta mas, às vezes, ainda se consegue quase atingi-lo através dos objectos poeirentos que se recuperam de um qualquer baú esquecido no sótão. Tal como os velhos albuns de cromos que recordam os tempos felizes da juventude! | ||
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Site Tabacaria do mesmo autor | Muitos dos dados constantes deste texto foram comunicados por Carlos Alberto Santos, a quem o autor agradece com amizade. | |
Lisboa,
Portugal, Fevereiro de 2003 |