SAMARITANA ( Álvaro Cabral)
Tema: A letra de um dos mais belos fados de Coimbra refere o episódio da samaritana a quem Jesus pediu de beber (Evangelho segundo S.João). No entanto o episódio é reinterpretado: Jesus teria desejado a mulher...
   
Dos amores do Redentor
Não reza a História Sagrada
Mas diz uma lenda encantada
Que o Bom Jesus sofreu de amor.

- o poema inicia-se com uma translação à Bíblia: Jesus sofreu de desejo (é assim que tem que ser interpretado o "sofrer de amor" escrito cerca de 1910 face aos versos que constituem o refrão, como veremos).

Sofreu consigo e calou
Sua paixão divinal,
Assim como qualquer mortal
Que um dia de amor palpitou.

 

Samaritana,
Plebeia de Sicar,
Alguém espreitando
Te viu Jesus beijar
De tarde quando
Foste encontrá-Lo só,
Morto de sede
Junto à fonte de Jacob.

- "morto de sede junto à fonte de Jacob" é a chave do poema. Segundo a Bíblia, Jesus estava sentado junto ao poço de Jacob e como o poço é fundo não podia tirar água e pediu a uma mulher que lhe desse de beber. No poema o poço, que segundo a tradição foi escavado por Jacob e ainda existe perto de Shechem (a antiga Sicar), é transformado em fonte. Cristo podia, portanto, beber se a sua sede fosse desejo de água... mas a sede é desejo físico e por isso ele está "morto de sede" junto à fonte.

E tu, risonha, acolheste
O beijo que te encantou,
Serena, empalideceste
E Jesus Cristo corou.

 

Corou por ver quanta luz
Irradiava da tua fronte,
Quando disseste: - Ó Meu Jesus,
Que bem eu fiz, Senhor, em vir à fonte.

Sobre a história e primeiras gravações de Samaritana, ler o estudo de José Anjos de Carvalho sobre Edmundo Bettencourt. Trata-se de um trabalho notável inserido num blogue imperdível. Em particular este estudo esclarece as origens das atribuições erradas da autoria deste fado a Álvaro Leal e ao próprio Edmundo Bettencourt. No mesmo trabalho pode ler-se a letra completa que tem duas estâncias adicionais que nunca ouvi cantadas e aprender-se que a letra original não inclui o "Ó" do penúltimo verso. A interjeição foi acrescentada por Edmundo Bettencourt por razões fonéticas.

Um colega e amigo que se licenciou em Coimbra da década de 1960 contou-me que esta fado era particularmente desagradável à Igreja, por motivos que serão óbvios, e portanto era cantado pelos estudantes em todas as oportunidades!

Ouvir: a música de Samaritana é, também, da autoria de Álvaro Cabral (nascido em Vila Nova de Gaia e falecido no Porto em 1918). Aqui uma excelente interpretação coimbrã:

http://palcoprincipal.clix.pt/song/index/song/OTkxNg%3D%3D

Nesta gravação pode-se ouvir Nuno da Câmara Pereira num estilo mais afastado do Fado de Coimbra mas com uma interpretação que me agrada muito:

http://www.youtube.com/watch?v=QxKY8H2dzMk

Finalmente uma gravação ao vivo:

http://www.youtube.com/watch?v=ag1-hPud-y4

Cifra da música:

http://www.cifras.com.br/cifra/fado-de-coimbra/samaritana

   
João Manuel Mimoso
 
Lisboa, Portugal, 2008-05-21.