MENSAGEM de Fernando Pessoa; Terceira Parte- O ENCOBERTO
Terceiro- OS TEMPOS
Terceiro- CALMA
.ouvir Ilustração de Carlos Alberto Santos
CALMA
Que cousa é que as ondas contam
e se não pode encontrar
por mais naus que haja no mar?
O que é que as ondas encontram
e nunca se vê surgindo?
Este som de o mar praiar
onde é que está existindo?

 

Ilha próxima e remota,
que nos ouvidos persiste,
para a vista não existe.
Que nau, que armada, que frota
pode encontrar o caminho
à praia onde o mar insiste,
se à vista o mar é sòzinho?

 

Haverá rasgões no espaço
que dêem para outro lado,
e que, um d’elles encontrado,
aqui, onde há só sargaço,
surja uma ilha velada,
o paiz afortunado
que guarda o Rei desterrado
em sua vida encantada?

Comentários:

Este estranho poema deve ser comparado ao intitulado "Ilhas Afortunadas" que versa o mesmo tema e foi escrito alguns dias mais tarde. É provável que o poema agora intitulado "Calma" tenha sido a primeira versão de "Ilhas Afortunadas" e tenha sido repescado para a última parte de Mensagem que foi preparada com um prazo muito curto e, destinando-se a um concurso que impunha um número mínimo de páginas, obrigava o poeta a incluir mais material do que o que, de outra maneira, poderia ter incluido.

Este poema representa uma espécie de tempo de paragem para reflexão, o que talvez tenha justificado o seu nome.

"rasgões no espaço que deem para outro lado"- este conceito dos mundos paralelos ou túneis para outros mundos, hoje lugar comum nos contos de ficção científica e parcialmente alvo de estudos pelos físicos teóricos, é altamente surpreendente para a época e suscita a questão de se Pessoa o terá imaginado ou se terá tido notícia dele através de revistas de ficção científica americanas.

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Lisboa, Portugal. Dezembro 20, 2003
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João Manuel Mimoso
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NOTA: Para uma discussão muito breve do simbolismo deste poema inserido no conjunto d'Os Tempos ver a minha introdução a "O Encoberto".