É no facto de possuir um talento multifacetado que se baseia a capacidade de Vilhena em montar um one-man-show.

Para um número da Gaiola Aberta, por exemplo, Vilhena produzia humor em texto e imagem. O texto podia consistir (do mais longo ao mais curto) em ensaios sobre determinados temas, "notícias" ou textos afins com três ou quatro parágrafos, anedotas, ou ainda simples frases com conteúdo humorístico.

Existem ainda outros textos ocasionais que não são classificáveis em nenhum dos grupos anteriores (ver, por exemplo, ao lado, uma selecção do soberbo "Preto e Branco" publicado em Agosto de 1975).

 
PRETO E
BRANCO
COMO SE DIZIA ANTES DO 25 DE ABRIL
COMO SE DIZ DEPOIS DO 11 DE MARÇO
Qual Castro?... Aquele tipo alto, simpático, que joga hóquei em patins na Associação Desportiva de Oeiras?Qual Castro?... Aquele tipo alto, activista do MDP, que pertence à comissão de saneamento da Fundição de Oeiras?
Se o senhorio for um gajo simpático e abater quinhentos pauzitos à renda que está a pedir pelo andar, alugo-o já!Se o fascista do senhorio armar em parvo e não quiser alugar o andar por quinhentos paus, ocupo-o e o gajo não vê nem um tusto!
Uma miúda gira, elegante e educada, essa Tecas, filha duma família tradicional e cheia de massa.Uma porca duma burguesa elitista, essa tal Tecas, toda PPD, filha dum monopolista reaccionário e inimigo do povo!
A gente agradecia que a senhora pedisse ao Sr. Director-Geral para nos receber um dia destes, quando tiver um bocadinho de tempo livre... se dá licença deixamos o número do telefone...Amanhã uma gaita! Diga lá ao camarada que, ou nos recebe imadiatamente, ou vamos já daqui ao Conselho da Revolução... Ele agora que escolha!...
E agora, meninos, vamos fazer um redacção sobre a gloriosa revolução do 28 de Maio e a patriótica acção do exército que conseguiu tirar o país da desodem e da subversão em que estava mergulhado.E agora, meninos, vamos fazer um redacção sobre o patriótico movimento do 25 de Abril e a gloriosa acção das forças armadas que aniquilaram a reacção e estabeleceram em todo o país a ordem revolucionária.

As imagens utilizadas por Vilhena podem ter por base ilustrações do autor ou não.

Estas últimas podem ser constituídas por ilustrações propriamente ditas ou outros grafismos alheios (alterados ou não) a que o autor acrescenta uma legenda ou cartucho com texto (como no exemplo à direita, baseado numa gravura de finais do século XIX e publicado no Fala Barato).

Podem, ainda, ser constituídas por fotografias (do autor ou alheias) com texto, fotomontagens, ou outras manipulações diversas.

 
   
Acima: gravura antiga "comentada" por Vilhena.

As ilustrações do autor (e desenvolvo apenas este ponto para frisar a variedade conseguida) podem servir apenas para complementar graficamente textos ou constituir cartoons de sátira política, anedotas desenhadas, diálogos, banda desenhada, caricatura, etc, etc...

O exemplo à direita, soberbo não só pela capacidade gráfica que evidencia mas também pela oportunidade e humor, foi capa da Gaiola Aberta em 1975.

 
   
Acima: Singularidades da nossa Revolução, 1975.

Em relação ao texto, as páginas da Internet não são o melhor meio de exemplificação e os leitores interessados poderão dirigir-se à editora de José Vilhena (seguindo o apontador na página biográfica) onde poderão adquirir os números antigos das suas publicações (surpreendentemente quase todos estão ainda disponíveis).

Direi, no entanto, que (na minha opinião) os melhores textos de Vilhena se baseiam na ironia mordaz (tão comum, que quando o autor quer falar a sério tem que fazer chamadas dizendo que não está a brincar).

Um subconjunto destes textos são os de auto-vitimização, em que Vilhena é incontestável especialista. Por exemplo no nº29 do "Fala Barato" Vilhena começa assim o que chamou "Dossier Carolina" em que conta uma versão muito própria do processo judicial intentado contra si: "Aqui se conta a sórdida e verdadeira história de uma rica princesa do Mónaco que tentou extorquir as parcas economias a um pobre cidadão português que não tem onde cair morto". E, no interior: "A Princesa Golpista, ou de como Rainier III do Mónaco e sua filha D.Carolina, encontrando-se à rasca de massas, resolveram sacar uns centos de milhares de dólares a um país insolvente e crivado de dívidas e a um publicista e editor tecnicamente falido. Anda tudo ao mesmo!".

 
Acima: Os direitos da Mulher, Fala Barato, 1988

Acima: comentário à transferência do jogador Reinaldo para o Boavista (1979): "Tapa o cuzinho, minha filha"

Evolução de um feto das 2 semanas aos 16 anos, 1982
     

Nesta página incluí uma selecção minha de pérolas do humor de Vilhena. Um exemplo que não reproduzi mas que não posso deixar de citar é o do poster mandado imprimir em 1980 pela Secretaria de Estado do Ambiente e afixado um pouco por todo o lado. O título era "TODAS AS AVES DE RAPINA ESTÃO PROTEGIDAS POR LEI EM PORTUGAL". O poster continuava em textos alusivos de conteúdo dúbio (cujos ingénuos autores não tinham notado) terminando "Protegendo as aves de rapina defenderás (...) a própria economia da tua região". Vilhena imortalizou-o reproduzindo-o, na contracapa da Gaiola Aberta nº94

 
Contributo de Vilhena para a polémica sobre a regionalização do País (em "O Moralista", 1996)
     
 
"Cartilha Maternal" em versão Vilhena- letras R e S- Fala Barato, 1992
À direita, dois exemplos da variedade de formas do humorismo de Vilhena. O anúncio refere-se a uma representação de Zerlina, (o nome do autor é autêntico!!); a fotografia é uma proposta muito pessoal para uma nova estátua a Salazar, após a destruição da que havia em Sta Comba...
 
   
Anúncio a Zerlina, de Broch
Projecto de estátua a Salazar
O aspecto mais polémico na obra de Vilhena é o da linguagem utilizada nos textos e o recurso àquilo que muitos classificariam como ilustrações pornográficas.
Antes do 25 de Abril as circunstâncias ditavam o comedimento, a utilização de termos dúbios, os floreados circunloquiais, os eufemismos,... mas nem por isso se deixava de conseguir dizer o que se pretendia e a elegância com que se tratavam temas que reconhecidamente não se prestavam a um tratamento elegante era, ela própria, parte do humor.
Após a Revolução, na Gaiola Aberta, os temas puderam ser mais ousados e a linguagem mais directa. Mas esse era o espírito da época e não há realmente na revista nada de particularmente chocante. No entanto, em 1980 e portanto durante a vida da Gaiola Aberta, Vilhena  experimentou, com a revista Vida Lisboeta, a utilização de uma linguagem muito mais pesada e ilustrações de cariz claramente pornográfico. Consciente de incorrer em riscos de erosão da sua imagem, nunca utilizou o nome "Vilhena" assinando "José Rodrigues". A publicação não vingou.
Apesar disso, e algo surpreendentemente, o Fala Barato foi cenário de um "alargamento" do léxico e essa liberalização foi evoluindo até à publicação, sobretudo n'O Moralista, de muitas das imagens "pesadas" que já tinham sido originalmente utilizadas na ilustração da Vida Lisboeta.
Recentemente parece ter havido uma inversão de marcha com a utilização em alguns números d'O Moralista de uma linguagem quase cândida e ilustrações mais ou menos a condizer.
José Vilhena afirmou, em entrevista à revista K, que a sua actividade como autor e publicista é um negócio puro e simples e, por isso, é natural que altere os parâmetros de acordo com o mercado-alvo que pretende atingir.
Eu sou dos que pensam que o léxico curto é mais interessante do que o extenso mas, nem pretendo julgar o autor, nem sequer discutir o assunto em termos de mercado por falta de dados estatísticos quanto às preferências do público (mas  não tenho dúvidas de que o tema seria um fascinante campo de investigação para os estudantes das ciências sociais).
Deixo, por isso, o julgamento a cada um. Informo, no entanto, que as imagens (e textos) com que ilustrei os meus despretenciosos ensaios foram escolhidas segundo as minhas próprias preferências e, por isso, de maneira alguma representam a totalidade do espectro do complexo e fascinante "Universo Vilhena".
Reproduções autorizadas por J.Vilhena
Texto: João Manuel Mimoso
                     
                                            
                     
Índice de páginas sobre a obra de José Vilhena
                     
                     
Índice das minhas páginas sobre temas de cultura
                     
                     
Lisboa, (2002-10-10)