Ficção Científica em Portugal

- Colecção ARGONAUTA -

     
 

Encontrei pela Web todo o tipo de referências e textos sobre a Argonauta. Também muitos conjuntos de imagens com que não quero concorrer (e mesmo que quisesse não podia...). Destes o melhor é o de Denis Cnegov no Flickr: http://www.flickr.com/photos/65561614@N05/5971422636/ . As imagens foram tratadas mas mesmo assim as capas parecem tão perfeitas que me apetece atirar as minhas cópias para o lixo e procurar melhores.

Uma vez que não quero repetir o que os outros fizeram, vou tratar do que em geral não trataram - vou tentar focar vários assuntos conexos com a edição dos livros, mas não os conteúdos propriamente ditos...

- MARCAS DA COLECÇÃO

 

As marcas logotípicas ou outras que interessarão a esta apresentação sâo.

1- o logotipo da Colecção Argonauta existente na capa, marcado "Ícaro capa" na figura acima;

2- o monograma "CAN" com que Cândido Costa Pinto assinou as capas originais que executou e que pode estar situado em qualquer zona da capa, marcado a branco na figura acima;

3- o logotipo dos Livros do Brasil na contracapa, correspondente ao texto em itálico serifado "LIVROS DO BRASIL, LIMITADA / LISBOA" indicado por uma seta negra na figura acima;

4- o logotipo da Colecção Argonauta existente na contracapa, marcado "Ícaro contracapa" na figura acima;

     

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

- CINTAS

Todos os números da Colecção Argonauta desde o nº 1 até ao nº 13 vinham selados com uma cinta em papel castanho que saía de entre dois dos cadernos e colava noutra meia cinta inserida entre a última página do livro e a contracapa. À esquerda o aspecto de um livro selado. Cada cinta anunciava o número seguinte com texto e cor variáveis. As duas meias cintas eram coladas e a metade posterior carimbada com o texto "Não devolva ao editor livros com cintas violadas". A cintagem destinava-se a contrariar uma prática corrente de ler as publicações e depois devolvê-las como novas. Havia até um pequeno negócio de aluguer de livros novos por uma fracção do preço de custo tal como havia o hábito de devolver jornais lidos aos jornaleiros, na perspectiva de uma revenda.

O nº 14 tinha, em vez da cinta, as páginas coladas com uma aplicação de cola transparente. O nº 15 usava cola azul (figura à esquerda) enquanto que no nº 16 e todos os seguintes foi usada cola transparente, como no nº 14. Esta aparente indecisão quanto ao tipo de cola a usar tem uma explicação simples: é que a seguir ao nº 13 (saído em Novembro de 1954) foi publicado o nº 15 em Dezembro desse ano. Entre as páginas 18 e 19 tinha um pequeno papel cor de laranja impresso, com o título "Advertência ao Leitor" explicando que, por razões editoriais, o nº 15 tinha saído antes do 14. Este número foi, assim, o primeiro a não trazer uma cinta, que era uma solução cara e podia ser descolada e reaplicada. Em vez disso tinha a tal gota de cola azul a unir as páginas. Foi o único número a utilizar cola desta cor.

O nº 14, saído em Janeiro de 1955, utilizava então o mesmo sistema mas agora as folhas eram coladas com cola transparente. Entre as páginas tinha uma folhinha azul também intitulada "Advertência ao Leitor" em que explicava o selo (a que chamavam "lacre branco") como uma medida de protecção contra doenças. Claro que a finalidade era a mesma do que a das cintas, mas os editores exploravam a crença generalizada de que a tuberculose se podia propagar através dos livros usados. Aliás, os meus pais só me deixavam comprar números antigos do Superman da Ebal, que - claro! - só se conseguiam usados, porque eu tinha tido tuberculose em bébé e, tendo sobrevivido (como se prova), fiquei naturalmente imunizado contra a doença.

     
   

-REEDIÇÕES

Os primeiros números da Argonauta foram impressos em tiragens cautelosas, justificadas pelo sucesso duvidoso de um novo género. Por isso foram reimpressos uma ou mais vezes. As reimpressões eram clones dos originais e são em geral indistinguíveis (presumo que em benefício dos coleccionadores que poderiam adquirir uma segunda edição idêntica à primeira).

Nota: nem sempre é assim - o Joel Lima explicou-me que ao abrigo do actual código de direitos autorais a identidade das reedições se pode destinar a ocultar aos detentores dos direitos a verdadeira tiragem dos títulos.

No caso da Argonauta, no entanto, há pelo menos uma reedição que tem um sinal que a distingue. Revendo as marcas constantes da primeira imagem deste estudo e considerando os números iniciais da Colecção verifica-se que:

1- o Ícaro da capa é verde no nº1; vermelho no nº2, azul no nº3 e depois vermelho nos nºs pares e azul nos ímpares até ao nº 14 que saíu após o nº 15. No nº 14 e em todos os seguintes o Ícaro da capa é azul. O Ícaro da contracapa é sempre negro;

2- o logotipo "LIVROS DO BRASIL, LIMITADA / LISBOA" da contracapa é sempre vermelho.

No entanto ocorrem exemplares aberrantes. Considere-se os dois nºs 1 da figura seguinte. Num o logotipo da contracapa é vermelho e no outro azul.

Considere-se agora os dois exemplares do nº 4 da imagem seguinte. Além da mesma variação das cores do logotipo reconhece-se agora que o Ícaro na capa do exemplar com o logotipo azul é roxo...

Creio que a explicação é a seguinte: o editor quis que os exemplares da reedição fossem aparentes para os funcionários da empresa através de uma espécie de "marca secreta" (talvez para evitar a devolução de exemplares já lidos da edição esgotada) e por isso imprimiu o logotipo a azul para os distinguir. Esta reedição foi feita quando o Ícaro da capa era sempre azul e por isso, no nº 4 introduziram por engano um Ícaro no fotolito azul, mas esqueceram-se de que já existia um outro no fotolito vermelho, de cuja sobreposição resulta a cor roxa.

Se for assim, uma das reedições distingue-se pela cor azul do logotipo da contracapa. Talvez nas outras reedições tenha sido introduzida uma marca menos evidente, por exemplo na cor ou no texto das cintas, que eram geralmente eliminadas por um comprador que pretendesse ficar com o livro e com essa eliminação desapareciam as provas de que houvera uma reedição.

     
   

- ILUSTRAÇÕES

As capas da Colecção Argonauta do nº 1 até ao nº 32 são tradicionalmente atribuídas a Cãndido Costa Pinto. Para isso contribuem as indicações em quase todos os títulos que o identificam como o autor da capa (mas há omissões, facto que muitos atribuem a um esquecimento) e também a exposição da obra do artista realizada em 1995 na Fundação Gulbenkian, mais de uma década após a sua morte, onde eram mostrados os 32 livros como exemplos do seu trabalho como capista. Mas apesar dos guaches finais serem de Cândido Costa Pinto, a autoria dalgumas ilustrações não é sua e por isso o pintor não assinou essas capas com o seu monograma "CAN".

Vejamos os nºs 1 até ao 8. Destes ressaltam dois soberbos trabalhos: o nº 5 "O Universo Vivo" (guache que, na minha opinião, qualquer boa colecção de Arte Portuguesa da segunda metade do século XX se orgulharia de integrar) e o nº 6 "O Mundo Marciano" - uma capa de um surrealismo delirante que felizmente adorna um dos melhores (para mim o melhor dos cerca de 150 que li) títulos da Colecção.

O nº9, no entanto, não está atribuído ao artista no interior nem assinado por ele e é na verdade uma reprodução da capa de Stanley Meltzoff para uma edição americana homónima. E neste ponto convém dizer que os títulos ingleses indicados como originais nos livros da Argonauta são enganadores. O nome da versão portuguesa do livro de Van Vogt é tomado de "Mission: interplanetary" e não do nome alternativo "Voyage of the Space Beagle", tal como o nome do nº 2 é tomado de "The green man of Kilsona" e não do nome indicado no próprio livro.

 

 

   

Analogamente, a capa do nº 10 é uma adaptação da capa inglesa da edição do livro de Jon J. Deegan e também não está assinada embora, em justiça, o trabalho de Cândido Costa Pinto seja quase todo original.

Tal como a do nº 9, a capa do nº 11 "O homem que vendeu a lua" é cópia da capa de uma das edições americanas e não está, nem assinada, nem atribuída no interior.

 

 

   

A capa do nº 12 "Os humanóides atacam" é uma adaptação da capa inglesa da edição do livro de Bryan Berry e também não está assinada.

A capa do nº 13 "O cérebro de Donovan" é original e está assinada "CAN".

A capa do nº 14, "Indómito planeta" por Roy Sheldon (pseudónimo usado, tanto por E.C.Tubb, como por H.J.Campbell) é duvidosa. No interior é atribuída a Cândido Costa Pinto mas não está assinada (ou, pelo menos, não encontrei a assinatura). É possível que seja a adaptação duma qualquer ilustração que não conheço.

 
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A capa do nº 15, atribuída no interior a Cândido Costa Pinto, é, na verdade, cópia da capa duma edição inglesa. Naturalmente, Costa Pinto não a assinou, apesar de ter produzido a arte final.

A única outra capa não assinada (embora atribuída no interior a Cândido Costa Pinto) é a do nº 23 "Slan", também ela retomando o motivo de uma capa estrangeira.

   

Edição francesa (Galimard, 1954)
   

Mas o conjunto de capas totalmente originais da autoria de Cândido Costa Pinto inclui trabalhos extraordinários que seguramente atraíram muitos leitores nos primeiros anos: a capa do nº 4 "Nave sideral" demostrando a sua mestria das formas e das cores; as dos nºs 5 e 6 já referidas; a do nº 18 "O homem ilustrado" cujo original foi exposto em 1995; e sobretudo a do nº 26 "A Idade do Ouro", talvez a melhor capa do conjunto.

Mais do que qualquer outro género, a ficção científica recorreu a alguns dos mais criativos capistas do mundo. Com os melhores trabalhos desta série Costa Pinto ganhou um lugar entre eles, tanto mais notável quanto fugiu do estilo realista que caracteriza a generalidade das capas doutros autores para praticar um estilo simbolista-fantástico-surrealista de que não conheço par neste campo. Perturbado e incompreendido, aquele que foi um dos maiores pintores portugueses do pós-guerra retirou-se para o Brasil em 1956 onde viveu os últimos anos da sua vida. E é assim que todos perdemos a oportunidade de continuar a desfrutar do resultado da sua colaboração com Livros do Brasil. É uma ironia que seja hoje conhecido quase só pelos trabalhos de ilustração para esta editora, em particular nas colecções "Vampiro", "Vampiro Magazine" e "Argonauta". Mas pelo menos neste meio o seu nome não será esquecido.

     
   

João Manuel Mimoso, 15 de Novembro de 2011

   
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