A
AGÊNCIA PORTUGUESA DE REVISTAS | |||||||||||||
AS
ORIGENS (1944-1948) | |||||||||||||
Em 1944, o nº 185 da Rua Augusta, na Baixa lisboeta era ocupado por uma pequena loja de revistas de moda. Chamava-se 'Loja dos Figurinos' e pertencia a Manuel Rodrigues. Este era casado com D.Beatriz Aguiar Rodrigues que tinha um filho de um anterior casamento, chamado Mário de Aguiar. No final do Verão de 1944, um folheto a cores com bom recorte gráfico, tirado a 5000 exemplares, anunciava o próximo lançamento pela Loja dos Figurinos de uma nova revista chamada A Moda, de que o nº1 apareceu à venda em Outubro desse mesmo ano com um preço de capa de 5$00. A nova revista não tinha texto mas era profusamente ilustrada com desenhos art-déco de belo colorido, representando modelos de vestidos femininos. Era distribuída pela Agência Internacional, sita na vizinha R. de S.Nicolau. A revista manteve os seus responsáveis no anonimato até ao nº 13, de Outubro de 1945, quando incluiu o seguinte texto: "Mário de Aguiar edita, Eugénio desenha, e a Loja dos Figurinos apresenta ao público". | |||||||||||||
Entretanto já Mário de Aguiar lançara uma nova publicação. Tratava-se de Mãos de Fada, inspirada pela congénere italiana Mani di Fata, cujo primeiro número saiu no dia 1 de Julho de 1945. Com um formato tablóide e um preço de 6$00 (uma quantia considerável na época) a revista consistia em reproduções gráficas de rendas e bordados imaginados e desenhados por Edite Espada Cruz Meireles, praticamente sem qualquer texto explicativo. Em breve, e sem aumento de preço, a revista ganhou um pequeno suplemento com desenhos adicionais de lavores e no nº19, em Janeiro de 1947, o 'Suplemento Literário' que o editor introduziu com reconhecido orgulho. Num longo editorial confessa-se às leitoras de uma maneira inesperadamente intimista dizendo ter alcançado um certo desafogo financeiro mas não desejar dormir sobre os louros porque, afirma, "existe um outro objectivo que não sendo material é espiritual. Mãos de Fada" diz "é orientada por um forte querer activo que se dirige o mais possível para o bom e o belo". | |||||||||||||
Esta confissão, que creio franca até à candura, explica muito do que sucedeu durante a carreira de Mário de Aguiar enquanto editor e gestor. Este homem tinha um ideal superior que se materializava num zelo em lançar no mercado produtos que fossem reconhecidamente excepcionais. E assim atingia um nível de auto-satisfação superior ao que lhe adviria dos meros ganhos materiais. | |||||||||||||
| O equilíbrio financeiro era uma necessidade sine qua non de qualquer editora e nunca ouvi algum dos ilustradores que mais tarde trabalhariam para a Agência referir que os trabalhos fossem pagos a alto preço, pelo contrário, mas o lucro parecia ser, para Mário de Aguiar, uma consideração acessória: os resultados das publicações verdadeiramente lucrativas eram rapidamente reinvestidos em novas iniciativas que a sua imaginação fértil nunca deixava de gerar. No modesto suplemento de quatro páginas em formato tablóide, impresso em papel vulgar, Mário de Aguiar deve ter visto uma oportunidade de materializar a sua visão. No entanto esta não passava pela direcção do suplemento (para a qual provavelmente não teria preparação), mas pela supervisão dos conteúdos, como editor. Por isso a direcção do suplemento literário foi entregue à escritora Lília Fonseca e nos numeros subsequentes os textos foram-se diversificando com um resultado final que ainda hoje surpreende positivamente, sobretudo tendo em atenção a revista que lhe serviu de veículo. O conteúdo incluía actualidades, cinema, poesia (Camões, Florbela Espanca e, curiosamente, o então pouco divulgado Fernando Pessoa), contos (Pearl Buck, Allan Poe, Aquilino Ribeiro), secções infantis, textos originais (Ilse Lose, Natália Correia), tudo cuidadosamente ilustrado com desenhos executados no atelier de José David. A menção à utilização de ilustrações originais realizadas em Portugal é relevante já que muitas publicações nacionais aproveitavam material de origem estrangeira, em particular pequenas ilustrações. N'A Moda e em Mãos de Fada toda a ilustração era nacional e expressamente executada para as revistas. | ||||||||||||
Antes de Mãos de Fada a publicação portuguesa que liderava o mercado das revistas de lavores era Desenhos para a Mulher no Lar que, em finais de 1944, propunha 24 páginas no formato 30 x 22cm pelo preço de 2$00. O sucesso de Mãos de Fada deve ter tido um forte reflexo negativo nas vendas da publicação concorrente: em poucos meses Desenhos para a Mulher no Lar reduziu o número de páginas para metade e subiu o preço para 2$50. Mas manteve ainda uma quota do mercado... Mário de Aguiar deve ter compreendido que, por melhor que fosse Mãos de Fada, o mercado da revista estava limitado pelo seu alto preço. A revista mais barata teria, necessariamente, a preferência das compradoras cujo poder económico não lhes permitisse escolha. E assim, lançou em Dezembro de 1945 Os Meus Serões, "jornal de bordados, malhas, crochets e modas" com direcção artística de Beatriz Ribeiro, que propunha 16 páginas no formato 30 x 22cm ao preço de 2$00. Foi esta a primeira vez que o editor segmentou o mercado segundo o poder de compra dos potenciais clientes e ofereceu produtos ajustados a cada segmento. Fá-lo-ia numerosas vezes nas duas décadas seguintes, em geral começando, como aqui, por servir um segmento mais alto, para depois ocupar as faixas inferiores. | |||||||||||||
| Tal como A Moda e Mãos de Fada, Os Meus Serões era distribuída pela Agência Internacional. Nessa época havia diversas empresas comerciais ditas "agências distribuidoras de publicações", as maiores das quais tinham sede na Baixa lisboeta. Cada uma dessas empresas geria uma rede de distribuição que montara e que consistia genericamente de uma lista de livrarias, tabacarias e bancas de jornais a cujos donos propunham cada novo titulo cuja distribuição conseguiam assegurar e a quem enviavam pontualmente uma quantidade acordada de cada novo número para venda local. As publicações distribuídas eram publicações nacionais de editores que, como Mário de Aguiar, não tinham meios próprios de distribuição ou importações estrangeiras (representadas, ou não, em exclusivo). Um dos funcionários da Agência Internacional chamava-se António Joaquim Dias e foi provavelmente ali que Mário de Aguiar o conheceu. António Dias devia ter um sólido conhecimento do negócio, tanto do lado do mercado fornecedor de revistas, como da rede de distribuição da Agência Internacional. Tinha, também, a aspiração de se estabelecer por conta própria, o que nessa época era geralmente conseguido através de um capitalista que fornecia o que hoje se chamaria capital de risco, formando uma sociedade com o detentor do know-how. | ||||||||||||
|
Um mito associado à Agência Portuguesa de Revistas é que Mário de Aguiar e António Dias se teriam um dia encontrado por acaso num notário e quando de lá saíram teriam já decidido associar-se. Fosse assim, ou não, a verdade é que a firma Aguiar & Dias Lda. foi constituída no dia 11 de Fevereiro de 1948 (embora os aniversários fossem sempre comemorados a 1 de Março- notar-se-á, aliás, na empresa uma predilecção pelos lançamentos no primeiro dia dos meses) com sede na R.do Arsenal 60, 2º, com o capital de 40.000$00 distribuído em partes iguais pelos dois sócios, e tendo como objecto "comissões, consignações e conta própria ou qualquer outro negócio nos termos da lei". Isto é, a finalidade da nova empresa era distribuir publicações alheias e importações próprias, além de outros negócios (o "qualquer outro negócio, etc..." era uma forma recorrente que se usava para não limitar indevidamente o objecto). António Dias terá entrado com o seu conhecimento do ramo e por isso foi sempre o discreto responsável pela rede de distribuição. Mas Mário de Aguiar era um homem fervilhante de ideias e pleno de optimismo (assim o mostra uma ilustração muito reveladora que dele fez Vitor Péon em 1951 e que aqui reproduzo) e terá sido ele o motor que catapultou a Agência Portuguesa de Revistas aos céus, enquanto a prudência de António Dias talvez tentasse impedir que a altura do voo ultrapassasse o tamanho das asas... tal diferença de personalidades deve ter provocado conflitos mas provavelmente terá também constituído o emparceiramento ideal para um crescimento sustentado... | ||||||||||||
...continua
na História da Agência Portuguesa de Revistas-
1ª Parte | |||||||||||||