OS REIS DO VINIL

(canção portuguesa de 1958 até 64)

 

Parte III- O 3º Festival da Canção Portuguesa (1961)

por João Manuel Mimoso

Julho de 1961- Havia quatro meses Salazar pronunciara o discurso "Para Angola e em força" e exactamente um mês atrás o Benfica tinha-se sagrado pela primeira vez campeão europeu em Berna, com transmissão directa pela televisão. No dia 1 a revista Rádio e Televisão publicava a seguinte notícia "Uma vez mais a Emissora Nacional de Radiodifusão vai levar a efeito o Festival da Canção Portuguesa. O próximo será o terceiro e terá como cenário de sensação a Figueira da Foz, onde decorrerá de 20 a 21 de Agosto, altura em que o ambiente da Figueira se torna cosmopolita. (...) Pela primeira vez, igualmente, os prémios que se têm concedido em certames anteriores, tornam-se extensivos ao intérprete da canção..." Juntamente era publicado o regulamento completo do concurso.

Ao contrário da edição anterior, esta foi abundantemente publicitada tendo, até, sido feito um poster de que se conserva um exemplar na Biblioteca Nacional.

   
 

O III Festival teve lugar nas noites de Domingo 20 de Agosto de 1961 e Segunda 22 no acanhado Casino da Figueira da Foz e foi o primeiro a ser transmitido em directo pela RTP, além da transmissão simultânea pela Emissora Nacional. Cada espectáculo teve uma parte inicial de variedades parcialmente baseada nos sucessos das edições anteriores, e uma segunda parte em que desfilaram as canções concorrentes:

"De cá para lá" cantada por Maria Clara; "Coimbra não esquece Inês" por Guilherme Kjölner; "Ontem e hoje" por Simone de Oliveira; "Mais tarde" por Gina Maria; "Canção do passado" por Artur Garcia; "Dilema" por Madalena Iglésias; "Porque voltei" por António Calvário; "Bom dia, Lisboa" por Alice Amaro; "Oração para dois" por Maria de Fátima Bravo (quanto a mim a melhor canção e que foi mais tarde êxito na voz de António Calvário); e "Adeus minha mãe, não chore" por Artur Ribeiro (este nome improvável referia-se à partida dos soldados para Angola onde nesse ano tinham começado as operações militares e para cujas vítimas foi doada a receita do espectáculo).

Na sessão de dia 21, as canções desfilaram por ordem inversa da de dia 20 e, em seguida, foi anunciada a classificação.

   
 

A revista Rádio e Televisão refere-se assim aos resultados: Maria Clara obteve com todo o direito o prémio de interpretação. É, na realidade, uma grande artista e soube interpretar a sua canção, "De cá para lá" que obteve o 2º Prémio das canções. O júri foi justo e a assistência, com os seus quentes aplausos, confirmou a sua vitória. Simone de Oliveira cantou excelentemente "Ontem e hoje", a canção que obteve o primeiro prémio. Alice Amaro, figura gentil, interpretou bem a canção "Bom dia, Lisboa" (que obteve o terceiro prémio). Foram bem atribuídos os três prémios. São de facto as melhores das dez canções escolhidas para a prova final.

Outros comentadores referiram apaixonadamente que "De cá para lá" merecia ter ganho enquanto que Neves de Sousa, escrevendo na revista Plateia sob o título 3º Festival da Canção Portuguesa (mas qual canção portuguesa?) dizia "Quanto à canção portuguesa, a tal que devia ter sido a raínha, as coisas estiveram más. (...) Não se poderá perguntar: então, senhores do júri, nos 147 concorrentes era tudo assim?". Parece que era mesmo tudo assim: este festival teve todos os ingredientes em que os festivais da RTP mais tarde abundariam: polémica quanto ao vencedor; "casos"; e má qualidade da globalidade das canções concorrentes.

 

Numa coisa os vários comentadores que se referiram a esses aspectos concordaram: que a interpretação de Maria Clara fora uma apoteose na sua última temporada (tinha previsto terminar a sua já longa carreira em Outubro desse ano) e que a jovem Alice Amaro tinha sido a revelação-confirmação do festival.

A Alvorada editou oito das canções finalistas em dois discos:

AEP 60429 ("Ontem e hoje" por Simone de Oliveira; "Dilema" por Madalena Iglésias; "Bom dia, Lisboa" por Alice Amaro; e "Porque voltei?" por José Manuel Mendes); e

AEP 60430 ("De cá para lá" por Maria Clara; "Adeus minha mãe, não chore" por Artur Ribeiro; "Oração para dois" por Simone de Oliveira; e "Canção do passado" por Artur Garcia).

   
 

A Alvorada também lançou EPs compactos contendo duas canções cada:

AN 97.032 ("Coimbra não esquece Inês" por Guilherme Kjölner; e "Dilema");

AN 97.033 (?);

AN 97.034 (Oração para dois"; e "De cá para lá").

Um outro disco notável é a edição DECCA P-EP 1028 incluindo "Ontem e hoje" e "Oração para dois" por Maria de Fátima Bravo e "De cá para lá" e "Porque voltei" por António Calvário.

 
 

Como epílogo, refira-se que o Festival não foi realizadonos anos seguintes mas a Comissão Municipal de Turismo da Figueira da Foz deve ter apreciado os resultados da cobertura mediática havida em 1961 e em 1963 organizou independentemente o "1º Concurso da Canção da Figueira da Foz".

Em 1965 foi anunciado o 4º Festival, de novo na Figueira da Foz. Realizado no Verão desse ano, a revista "Cinema" apontou-lhe a falta de nível. Venceu-o Fernanda Dinis com "Agora não" mas o público escolheu "Que linda és Figueira" cantada por Madalena Iglésias e que o júri classificou em quarto lugar. Nada de novo, portanto. Nesta época o evento já era referido informalmente por "Festival da Figueira da Foz" e foi sob esse nome que passou a ser realizado cada Verão na cidade balnear e que passou à história. O V Festival da Canção Portuguesa, realizado em Julho de 1966 (e vencido por Tonicha com "Boca de Amora") foi também chamado "6º Festival da Figueira da Foz" (a discrepância na numeração deve-se ao facto de a Comissão Municipal de Turismo ter incluído o seu concurso de 1963 como parte da sequência) e a partir daí a verdadeira origem foi completamente esquecida. Como se julga que o Festival sempre foi anual, aparenta ser de origem mais recente e os historiadores do Festival Espanhol da Canção (Festival de Benidorm) dão o Festival da Figueira da Foz como tendo sido inspirado pelo seu quando, na verdade, o festival português remonta a Janeiro de 1958, como vimos, e é portanto anterior ao Festival de Benidorm cuja primeira edição foi em 1959.

   
 

O que ficou dos festivais da canção portuguesa? Não foram a origem do Festival RTP da Canção (creio que o Festival de S.Remo, de que a primeira edição foi em 1950, foi a inspiração de todos os festivais europeus da canção que lhe são posteriores) mas proporcionaram oportunidades de experimentar soluções e corrigir erros que puderam depois ser evitados nas organizações posteriores.

Mas, pela oportuna época em que se realizaram, coincidiram com o início de um período da história da música ligeira nacional e foram a ocasião de apresentação ou afirmação de vários cançonetistas representativos do seu tempo, e em particular de Simone de Oliveira, António Calvário e Alice Amaro. Madalena Iglésias constitui um caso diferente já que lhe couberam sempre canções de qualidade inferior e se subiu, fê-lo literalmente a pulso e à custa de uma voz excepcional e de uma vontade que se adivinha inquebrantável. Mas isso é assunto para outra ocasião...

   
   
João Manuel Mimoso, 31 de Dezembro de 2007
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  Fontes:
    -Rádio e Televisão
    -Revista Cinema
    -Plateia
  Autores das canções citadas:
    -De cá para lá (Nóbrega e Sousa, canta Maria Clara)- ALVORADA AEP 60430
    -Oração para dois (Vitorino de sousa, Resende Dias); Ontem e hoje (Carlos Canelhas); (canta Maria de Fátima Bravo)- DECCA P-EP 1028
    -Coimbra não esquece Inês (Cláudio- Flávio, canta G.Kjölner)- ALVORADA AN 97.032
    -Que linda és Figueira (C.Canelhas, A.Antão, canta M.Iglésias)- ALVORADA AEP 60747