ABRIL ( María del Mar Bonet)
 

Tema: Maria del Mar Bonet cantou esta balada pela primeira vez em Abril de 1975, dedicando-a a José Afonso o que esclareceu quem era o "amigo" de quem falava e qual a "canção" a que se referia. O Caudilho ainda estava vivo (Franco morreu em Novembro de 1975) mas velho e doente; o regime parecia perto de colapsar. A queda do regime português em Abril de 1974 foi saudada pelos liberais espanhóis que viram nela um prenúncio do que sucederia em Espanha... Mas em Março de 1975 a liberdade ainda não tinha chegado e muitos lembravam com apreensão os horrores da Guerra Civil...

Neste belo poema, Maria del Mar Bonet chama "Abril" ao mês desse nome, à liberdade e, presumivelmente, à revolução que muitos desejavam desde que fosse pacífica, como em Portugal (mas que Espanha acabou por não ter).

Com un ocell posat
a dalt de tot d'un arbre,
Abril vigila al seu temps
alerta de que tot canvia.
Como um pássaro pousado
no topo de uma árvore,
Abril espera o tempo oportuno,
sabendo que tudo muda.
A Liberdade espera a oportunidade para voar ( uma imagem de grande beleza)
L'herba més petita de les plantes
verdeja mentides de bon temps,
i el cel, ara gris, ara bon dia.
A erva mais insignificante
verdeja promessas de bom tempo,
quer o céu esteja cinzento, quer azul.

Os que anseiam pela liberdade ganham esperança nos mais pequenos sinais (mentides= mentiras).

Entre el polsim daurat
que fan els plàtans
passa la gent indiferent,
entre espurnes vives i ferides
canta i ajuda el vent.
Entre o pólen doirado
que cai dos plátanos
passa a gente indiferente;
entre chispas incandescentes e feridas
canta e ajuda o vento.
As cidades catalãs utilizam tradicionalmente um plátano híbrido (Platanus hispanicus) como árvore de sombra nas ruas e avenidas. Esta árvore floresce em fins de Março-Abril e, assim, os dois primeiros versos desta estância colocam-nos na Catalunha, em Abril, e falam da indiferença dos citadinos face à opressão. Mas o vento que canta também aviva o fogo...
     
Un Abril em va portar
per l'aire una cançó,
el meu amic la cantava,
també la vull cantar jo.
Um Abril me vai trazer
pelo ar uma canção,
o meu amigo cantava-a,
também a quero cantar eu!

A liberdade é simbolizada por uma canção (Grândola Vila Morena) que o amigo (José Afonso) cantava e que foi usada para marcar o início das operações do 25 de Abril; também a autora quer cantar a Canção da Liberdade, talvez para chamar à revolução no seu país.

Ai Abril, més amorós,
aire de llum,
vol de llavors!
Ai Abril, mês amoroso,
ar de luz,
voo de sementes!
(REFRÃO) Abril é um mês de coisas boas...
Què ens durà el riu d'Abril
dins la corrent:
aigua neta, aigua bruta,
bones hores o mal temps?
Seran de mort o de vida
aquestes flors?
Jo vull la del meu amic,
clavell de bones olors.
Que nos trará o rio de Abril
na sua corrente:
água pura, água turva,
boas horas ou tempos maus?
Serão de morte ou de vida
estas flores?
Eu quero a do meu amigo,
cravo de bons aromas.

Interroga-se, como muitos o faziam em 1975, o que virá depois do franquismo... tempos bons ou outra guerra civil? ("bruta" tem um duplo sentido em catalão: "brutal" e "suja").

Que flores trará a liberdade? Espera que traga cravos, como em Portugal, simbolizando uma mudança sem derramamento de sangue (no estrangeiro o 25 de Abril é conhecido como "Revolução dos Cravos").

Estimat, no estinguis trist
si te costa alenar;
si no ens ha canviat el Març
un bon Abril ho farà.
Querido, não estejas triste
se te custa respirar,
se Março não nos trouxe mudança
um bom Abril o fará.
Nesta última estância vemos que Maria del Mar está a falar com alguém a quem trata por "Estimat", que está desalentado porque Março de 1975 passou e a opressão mantém-se. E anima-o garantindo-lhe que a mudança está para breve.
  O poema está transcrito em alguns (infelizmente poucos) sites na Net. Corrigi essas transcrições de acordo com a versão inicialmente interpretada pela autora e fiz a tradução acima. Infelizmente não sou fluente no belo idioma catalão. Se alguém encontrar erros na tradução agradeço que me enviem uma nota para eu melhorar o trabalho. Obrigado.
 
     
 
 
 
Lisboa, Portugal, 2008-07-12.