MENSAGEM de Fernando Pessoa- Segunda Parte: MAR PORTUGUEZ
- A ÚLTIMA NAU
.-Ouça aqui o poema (para estudantes de português) Óleo de Carlos Alberto Santos
A ÚLTIMA NAU
Levando a bordo El-Rei Dom Sebastião,
E erguendo, como um nome, alto, o pendão
Do Império,
Foi-se a última nau, ao sol aziago
Erma, e entre choros de ancia e de presago
Mystério.

 

Não voltou mais. A que ilha indescoberta
Aportou? Volverá da sorte incerta
Que teve?
Deus guarda o corpo e a forma do futuro,
Mas Sua luz projecta-o, sonho escuro
E breve.

 

Ah, quanto mais ao povo a alma falta,
Mais a minh'alma atlântica se exalta
E entorna,
E em mim, num mar que não tem tempo ou 'spaço,
Vejo entre a cerração teu vulto baço
Que torna.

 

Não sei a hora, mas sei que há a hora,
Demore-a Deus, chame-lhe a alma embora
Mystério.
Surges ao sol em mim, e a névoa finda:
A mesma, e trazes o pendão ainda
Do Império.

Comentários:

"aziago"- de um dia infeliz; de mau agouro.

"erma"- desamparada, só.

"ao sol aziago erma"- desamparada sob um céu de mau agouro; enfrentando sozinha um destino adverso..

"ancia"- ortografia clássica de "ânsia".

"pressago"- que prediz algo, que é prenúncio de qualquer coisa.

"Deus guarda(...) o futuro, mas(...) projecta-o, sonho escuro e breve"- só Deus sabe o futuro mas (como o Destino está traçado) por vezes permite aos homens entrevê-lo em breves lampejos indefinidos (escuros).

"falta a alma"- estão desalentados.

"e entorna"- e extravasa.

"que torna"- que regressa.

As duas últimas estrofes referem o regresso de D.Sebastião, que o poeta diz ser certo embora não saiba quando. E ao regressar vem ainda com a determinação de construir um império universal (se bem que não material, mas do espírito- como se depreende de outros escritos de Fernando Pessoa).

Ver também, abaixo, uma versão inglesa que pode ajudar a compreensão uma vez que o conteúdo é idêntico mas, necessariamente, o estilo é diferente.

.-Ouça aqui o poema (para estudantes de português) .
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Lisboa, Portugal. Setembro 10, 2003
 
Revisto Janeiro 13, 2004
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João Manuel Mimoso
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NOTA: Este poema constitui uma espécie de fulcro de Mensagem. Inicia-se em 1578 com a partida de D.Sebastião, entre sinais de mau presságio, para Marrocos. A nau com a sua bandeira içada nunca mais voltou e o embarque de D.Sebastião torna-se místico pelo seu desaparecimento material e comparável ao do Rei Artur, após a batalha de Camlan, para a Ilha Encantada de Avalon ("a que ilha indescoberta aportou?"). Com o desaparecimento de D.Sebastião morre, aparentemente, o sonho de um império universal sob o seu ceptro. Neste momento Fernando Pessoa, que até agora se tinha referido ao passado de Portugal, diz, num aparte, que o futuro é por vezes intuível aos homens e passa imediatamente a contar a sua visão do porvir. A Última Nau volta e trás um vulto (O Desejado) que Pessoa assemelha a D.Sebastião, que vem retomar a caminhada para o império universal- já não material, mas espiritual- que será o Quinto Império sonhado pelo Padre António Vieira.

English version

An introduction to the poem: This eleventh poem of Mar Português starts with King Sebastian leaving Lisbon for Morocco in 1578, under a sky of ill-omen. The ship flying his colours will be the Last Galleon because after the battle of El-Ksar-el-Kebir, in which the young king disappeared, there was no longer the possibility of a worldwide Portuguese empire. But King Sebastian's death on the battleground was never confirmed. The ship that carries him may be at sea, though it was never seen again. Did it carry him to an unknown island, like King Arthur was carried to Avalon after the battle of Camlan? Remarking that the future is sometimes revealed to visionaries (like himself) Pessoa brings the reader abruptly to the time of his writing, as if he had woken up from a dream of the past, only to fall immediately in a dream of the future: he now sees King Sebastian returning and still bent on accomplishing an Universal Empire...

The Last Galleon

Carrying aboard King Don Sebastian,
And raising atop, like a motto, the pennant
Of Empire,
The last galleon sailed away, under a sun of ill-omen
Forsaken, 'mid weeping of anxiety and ominous
Mystery.

 

It never returned. To what undiscovered island
Did it call? Will it ever return from the unknown fate
It met?
God hides the body and the shape of the future
But His light projects it, a dream clouded
And brief.

 

Ah, the more the people is dispirited,
The more my Atlantic soul lifts up
And overspreads,
And in me, in a sea without time or space,
I see through the thick fog your dim outline
Returning.

 

I know not the hour, but I know there is one,
Even if God delays it, or the soul calls it
Mystery.
You rise in the sun within me and the mist ends:
The same, and you are still carrying the pennant
Of Empire.