MENSAGEM de Fernando Pessoa- Segunda Parte: MAR PORTUGUEZ
- O MOSTRENGO
.-Ouça aqui o poema (para estudantes de português) Óleo de Carlos Alberto Santos
O MOSTRENGO
O mostrengo que está no fim do mar
Na noite de breu ergueu-se a voar;
À roda da nau voou trez vezes,
Voou trez vezes a chiar,
E disse: «Quem é que ousou entrar
Nas minhas cavernas que não desvendo,
Meus tectos negros do fim do mundo?»
E o homem do leme disse, tremendo:
«El-rei D. João Segundo!»

 

«De quem são as velas onde me roço?
De quem as quilhas que vejo e ouço?»
Disse o mostrengo, e rodou trez vezes,
Trez vezes rodou immundo e grosso.
«Quem vem poder o que só eu posso,
Que moro onde nunca ninguém me visse
E escorro os medos do mar sem fundo?»
E o homem do leme tremeu, e disse:
«El-rei D. João Segundo!»

 

Trez vezes do leme as mãos ergueu,
Trez vezes ao leme as reprendeu,
E disse no fim de tremer trez vezes:
«Aqui ao leme sou mais do que eu:
Sou um povo que quere o mar que é teu;
E mais que o mostrengo, que me a alma teme
E roda nas trevas do fim do mundo,
Manda a vontade, que me ata ao leme,
D' El-rei D. João Segundo!»

 

 

Comentário:

Este é um dos poemas mais conhecidos de Mensagem. Aquando das suas duas primeiras publicações chamava-se "O Morcego" e referia "o morcego que está no fim do mar..." mas o ser simbólico foi dignificado pela transformação em mostrengo na revisão anterior à edição de Mensagem em livro.

O poema simboliza, claro está, o medo do desconhecido (o "mostrengo") que os navegadores portugueses tiveram que vencer. A causa próxima dessa coragem é, segundo Fernando Pessoa, as ordens do rei D.João II. Existe uma razão para isso: quando Gil Eanes voltou de uma tentativa falhada de dobrar o Cabo Bojador, o Infante mandou-o voltar para tentar novamente e o navegador venceu o temor para não desagradar ao seu bondoso patrono. Mas com D.João II o trato era diferente porque ele era o tipo de homem que não admitia que aqueles em quem confiara falhassem- os comandantes preferiam enfrentar todos os dragões do mar à fúria do seu senhor e por isso o poema encerra também uma ironia- a natureza da "vontade" que ata o homem do leme à rota é que o temor do seu rei é maior do que o terror do mar ignoto!

 

 

.-Ouça aqui o poema (para estudantes de português) .
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Lisboa, Portugal. Setembro 05, 2003
 
Revisto Agosto 27, 2007
João Manuel Mimoso
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English version

An introduction to the poem: Together with Mar Português, O Mostrengo (here translated by "Bogey-beast" for lack of a better rendition of the idea of an imaginary source of fright) is one of the poems that any moderately cultivated Portuguese will immediately link to Fernando Pessoa. The Bogey-beast is a creature of a monstrous nature that represents Fear and flies around the ships that transgress the limits of the known sea and skims their sails with a promise of horrible death. Men are mortally afraid of the monster but they persevere because their king's iron will commands them to go forth and on their determination lie the hopes of their nation.

The Bogey-beast

The bogey-beast that lives at the end of the sea
In the pitch dark night rose up in the air;
Around the galleon it flew three times,
Three times it flew a-squeaking,
And said: "Who has dared to enter
My dens which I do not disclose,
My black roofs of the end of the world?"
And the helmsman said, a-trembling:
"King Don Joao the Second!"

 

"Whose are the sails over which I skim?
Whose are the keels I see and hear?"
Said the monster, and circled three times,
Three times it circled filthy and thick.
"Who comes to do what only I can,
I who dwell where none has ever seen me
And pour forth the fears of the bottomless sea?"
And the helmsman trembled, and said:
"King Don Joao the Second!"

 

Three times from the helm he raised his hands,
Three times on the helm he lay them back,
And said, after trembling three times:
"Here at the helm I am more than myself:
I am a People who wants the sea that is yours;
And more than the monster, that my soul does fear
And dwells in the dark of the end of the world,
Commands the will, that binds me to the helm,
Of King Don Joao the Second!"