MENSAGEM de Fernando Pessoa- Segunda Parte: MAR PORTUGUEZ
- HORIZONTE
.-Ouça aqui o poema (para estudantes de português) Óleo de Carlos Alberto Santos
HORIZONTE
Ó mar anterior a nós, teus medos
Tinham coral e praias e arvoredos.
Desvendadas a noite e a cerração,
As tormentas passadas e o mysterio,
Abria em flor o Longe, e o Sul siderio
'Splendia sobre as naus da iniciação.

 

Linha severa da longínqua costa -
Quando a nau se approxima ergue-se a encosta
Em árvores onde o Longe nada tinha;
Mais perto abre-se a terra em sons e cores:
E, no desembarcar, há aves, flores,
Onde era só, de longe, a abstracta linha.

 

O sonho é ver as formas invisíveis
Da distancia imprecisa, e, com sensiveis
Movimentos da esp'rança e da vontade,
Buscar na linha fria do horizonte
A árvore, a praia, a flor, a ave, a fonte-
Os beijos merecidos da Verdade.

Comentários:

"teus medos tinham coral, e praias e arvoredos"- o medo do desconhecido é o temor infundado do que se imagina como real. Fernando Pessoa exemplifica dizendo que o medo ancestral do mar era sem fundamento: não havia monstros ou turbilhões que afundassem os navios- quando ultrapassámos o medo só encontrámos praias e arvoredos, flores e aves...

"mistério"- termo muito utilizado por Pessoa na acepção de desconhecido, indescoberto.

"Sul sidéreo"- Sul sideral, isto é, sul celeste- aqui refere-se à constelação Cruzeiro do Sul que indica a direcção do polo austral

"iniciação"- cerimónia pela qual se começa a explicar a alguém os mistérios de alguma religião ou doutrina. O termo está frequentemente associado aos ritos das sociedades ditas secretas. Aqui a iniciação refere-se ao esclarecimento geográfico.

"resplendia sobre as naus da iniciação"- brilhava (resplandecia) sobre as naus que demandavam o desconhecido para o desvendar.

.-Ouça aqui o poema (para estudantes de português) .
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Lisboa, Portugal. Setembro 08, 2003
 
Revisto Agosto 27, 2007
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João Manuel Mimoso
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NOTA: Os interessados poderão ler na wikipédia sobre a constelação do Cruzeiro do Sul que é visível a sul do paralelo 26º54''N.

English version

An introduction to the poem: In Horizon Pessoa muses about the fear of the unknown that prevents man from "unraveling the mist". Such was the fear of the unknown sea, but once the first explorers went there to check they found nothing but coral, beaches, flowers and birds. The dream, to which Pessoa attaches great importance, is to imagine those shapes before they are perceived. The most beautiful part of this calm poem is the reference to the Southern Cross which, of all Europeans, an unrecorded Portuguese navigator was the first to see.

Horizon

Oh sea created before man, your fears
Had coral and beaches and groves of trees.
The night and the thick mist unraveled,
The storms and the mystery surpassed,
The Distance opened in flower, and the Southern Cross
Shone in splendour over the galleons of initiation.

 

Austere line of the far-off coast-
When the ship comes near, the slope raises up
In trees where the Distance had been empty;
Closer by, the land opens up in sounds and colours:
And, on disembarking, there are birds, flowers,
Where, from afar, there had only been a meaningless line.

 

The dream consists in seeing the invisible shapes
Of the hazy distance, and, with perceptible
Movements of hope and will,
Search out in the cold line of the horizon
The tree, the beach, the flower, the bird, the spring-
The well deserved kisses of Truth.