MENSAGEM de Fernando Pessoa- BRAZÃO
II- OS CASTELLOS
Terceiro- O CONDE D. HENRIQUE
Quarto- D. TAREJA
..Ouça aqui o poema (para estudantes de português) Ilustração de Carlos Alberto Santos
O CONDE D.HENRIQUE
Todo começo é involuntário.
Deus é o agente.
O heroe a si assiste, vário
E inconsciente.
À espada em tuas mãos achada
Teu olhar desce.
"Que farei eu com esta espada?"

 

Ergueste-a, e fez-se.

 

D.TAREJA . . . (ouvir aqui o poema)
As naçôes todas são mystérios.
Cada uma é todo o mundo a sós.
Ó mãe de reis e avó de impérios,
Vella por nós!

 

Teu seio augusto amamentou
Com bruta e natural certeza
O que, imprevisto, Deus fadou.
Por elle reza!

 

Dê tua prece outro destino
A quem fadou o instincto teu!
O homem que foi o teu menino
Envelheceu.

 

Mas todo vivo é eterno infante
Onde estás e não há o dia.
No antigo seio, vigilante,
De novo o cria!

Comentários:

D.Henrique: "Todo o começo é involuntário. Deus é o agente"- exprime a ideia de Fernando Pessoa segundo a qual o Destino rege inexoravelmente a História e foi traçado por Deus desde a origem dos tempos. Assim, aqueles que, na Terra, determinam a História não são mais do que agentes da vontade primeva de Deus e assistem aos seus próprios actos confusos ("vários") e inconscientes de estar a cumprir um plano.

"À espada em tuas mãos achada... etc"- A ideia anterior é particularizada para o pai de D.Afonso Henriques, que talhou à espada os alicerces da futura independência de Portugal. Confuso, pegou em armas e inconscientemente cumpriu a sua missão na Terra... O trabalho que lhe estava destinado "fez-se" (isto é, cumpriu-se, não por sua vontade, mas pela de Deus).

D.Tareja (versão arcaica do nome de D.Teresa, mãe de Afonso Henriques): "cada nação é todo o mundo a sós"- cada nação constitui um todo que, enquanto tal, é diferente de todas as outras;

"mãe de reis e avó de impérios vela por nós"- chama a D. Teresa mãe de Portugal e a partir daqui passa a considerar simbolicamente o País como transfiguração do seu primeiro rei.

"...com bruta e natural certeza"- "bruta" significa aqui "de acordo com a natureza" e portanto "bruta e natural" constitui um pleonasmo (isto é, uma repetição).

"o que, imprevisto, Deus fadou."- O país improvável que é Portugal, tal como Afonso Henriques, que enfrentou o poderoso reino de Leão e os potentados islâmicos e cujas probabilidades de sucesso pareciam, à partida, muito remotas.

"dê tua prece outro destino a quem fadou o instinto teu! O homem que foi o teu menino envelheceu."- que a tua prece mude o rumo de Portugal que hoje (na década de 1930) é um país sem vitalidade..

"Mas todo vivo é eterno infante/ Onde estás e não há o dia. No antigo seio vigilante de novo o cria!"- D.Teresa está morta (no reino dos mortos = "onde estás e não há o dia") e Portugal ainda está vivo e enquanto existir tem em si o potencial de se renovar ("é eterno infante" = é sempre jovem). No último verso pede que o País seja recriado = reinventado = ganhe novo vigor.

.-Ouça aqui o poema (para estudantes de português) .
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Lisboa, Portugal. Agosto 31, 2003
 
Rev. Janeiro 13 e Fevereiro 03, 2004; 01 de agosto 2014
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João Manuel Mimoso
   
   
English version

An introduction to the poems: The Counts of Portugal, Henry and Teresa, were the parents of Afonso I Henriques who, in 1140, would become the founder and first king of Portugal. With his sword Count Henry secured the borders of the hereditary fiefdom he would bequeath to his son. The founding of a dynasty symbolically justifies one of the castles in the Portuguese coat of arms and gives to Pessoa the opportunity to dwell into one of his recurring themes: History is a fabrication of God the Creator, that has been set since before man; predetermined, it is called Destiny before it happens, and History after it does. History and Destiny are the very same succession of events; the Present is the moment when Destiny becomes History! In this vision the hero is the unconscious performer of God's Master Plan. Such was Count Henry, according to this poem.

Countess Teresa is, perhaps surprisingly, symbolized by one more castle. Widowed, she ruled for over a decade but then refused to relinquish power until defeated in battle against her son, Afonso Henriques, who against all odds prevailed against the powerful kingdom of Léon and the Islamic potentates. In the poem, Countess Teresa is portraied as mother of Portugal and asked to pray from the realm of the dead (where the day is not) for her "son" who has aged but still exists and has in itself the possibility of rejuvenation. .

 

- Count Henry - Countess Teresa
. .
Every outset is involuntary.
God is the agent,
The hero watches his own actions, confused
And unconscious.
On the sword found in your hands
Your glance falls.
"What am I to do with this sword?"

 

You raised it aloft; and it was done.

All nations are mysteries.
Each one is the whole world on its own.
Oh mother of kings and grandmother of empires,
Watch over us!

 

Your venerable breast nursed
With spontaneous and natural certainty
He who, unforeseen, God predestined.
Pray for him!

 

May your prayer change the destiny
To the one your instinct foretold.
The man who was your little boy
Has now grown old.

 

But, all that is alive is eternally young
Where you are, and the day is not.
In your ancient bosom, diligent,
Create him once more.
. .
.