A AGÊNCIA PORTUGUESA DE REVISTAS
     
TEMPOS DIFÍCEIS (1948-1950)
   
por João Manuel Mimoso

Uma vez constituída, a sociedade de Aguiar & Dias estabeleceu-se na sua sede social no 2º andar do nº 60 da Rua do Arsenal, morada já indicada no número de Abril da Mãos de Fada como sendo a da redacção. Apesar de compartilhar instalações, esta revista não era publicada por Aguiar & Dias, que apenas a distribuía. Nesta época já A Moda e Os Meus Serões tinham cessado a publicação e, assim, Mãos de Fada teve a distinção de ser a primeira publicação alheia a ser distribuida pela nova empresa cujo objecto, conforme a escritura de constituição, era a importação e distribuição de publicações alheias e não a edição de publicações próprias. Esta finalidade é também atestada pela classificação escolhida pelos proprietários para fins de listagem nos anuários de interesses económicos: 'Agente Comercial' e não 'Editora'. A própria designação 'Agência' que usaram desde muito cedo estava associada apenas aos distribuidores (Agência Argos, Agência Central, Agência Internacional, etc) uma vez que não eram produtores mas apenas agentes intermediários.

           
 

Os tipos de revista que a nova agência esperava poder representar e distribuir não são conhecidos através de testemunhos coevos, mas do que aconteceu posteriormente é credível que quatro dos domínios privilegiados fossem a moda (campo da actividade editorial de Mário de Aguiar), a banda desenhada, a literatura policial e o cinema (campos em que ocorreram os primeiros desenvolvimentos, como se verá). Quanto à moda, havia muitos títulos estrangeiros ainda não distribuídos em Portugal, alguns dos quais comercializados pela Loja dos Figurinos. Além disso, sendo a ilustração a parte mais relevante, a língua não era obstáculo primordial. A busca de representações não deve, por isso, ter apresentado dificuldades de maior e em Março de 1949 a Mãos de Fada anunciava uma lista de 23 figurinos diferentes, de origem francesa, "vendidos pela Agência Portuguesa de Revistas" (sic) a preços que variavam de uns relativamente modestos 10$00 a uns incríveis 120$00!

Quanto à banda desenhada, a questão era outra. Na verdade, por causa da língua, apenas o Brasil se apresentava como potencial fonte de representações. No entanto os títulos de maior interesse já tinham distribuidores, sendo difícil a uma nova empresa ainda não afirmada ganhar representações já estabelecidas. Os sócios conseguiram, no entanto, a distribuição da revista juvenil Camarada, editada desde Dezembro de 1947 pela Mocidade Portuguesa, e nos números de Janeiro e Fevereiro de 1949 da Mãos de Fada anunciava-se "Camarada, o melhor jornal para rapazes, 1$20; distribuidores – Agência Portuguesa de Revistas", sendo esta a primeira vez que vi esta designação ser utilizada para nomear Aguiar & Dias enquanto distribuidores.

   
           
  Mas, ou o contrato de distribuição não perdurou (em Março o Camarada já não é referido), ou as vendas foram desanimadoras ficando claro que o Camarada não poderia ser um pilar do desenvolvimento da firma. Em Abril foi suspenso o suplemento literário de Mãos de Fada "por dificuldades em adquirir papel" (sic), mas mais provavelmente denotando dificuldades financeiras. A questão é que sem um produto vendável para distribuir não se consegue montar ou manter uma rede de distribuição e com o insucesso do Camarada os dois sócios estavam quase de mãos vazias. Então responderam à situação com uma decisão extraordinária, sem a qual a Agência nunca teria, possivelmente, saído da obscuridade: se não havia uma publicação alheia de banda desenhada para distribuir, distribuiriam uma publicação própria. E assim, desse salto para a frente, terá nascido o semanário O Mundo de Aventuras, cujo nº 1 foi lançado a 18 de Agosto de 1949.    
           
Carlos Alberto Santos
 

Consistia, inicialmente, num tablóide de grande formato (41x29 cm), semelhante a algumas separatas dominicais de jornais americanos, com histórias de continuação que eram traduções nacionais dos originais publicados nesses mesmos jornais, com uma única excepção – a 'História Maravilhosa de João dos Mares' cujo original foi encomendado ao atelier gráfico de José David, onde trabalhava Carlos Alberto Santos que o desenhou. O belo cabeçalho da revista foi desenhado por António Barata.

A incorporação de uma história original é de relevar, já que não se conhece qualquer lei ou disposição que, naquela época, especificamente impusessematerial nacional. Houve certamente a intenção de quebrar a estranheza das histórias americanas com um herói, jovem aventureiro da época da expansão portuguesa, com o qual os leitores se pudessem mais intimamente identificar. No entanto, para uma revista que deve ter sido pensada e materializada em poucos meses, num enquadramento financeiramente pouco desafogado, a necessidade de procurar autores e o custo adicional que a produção própria representava deve ter sido uma decisão que não foi tomada de ânimo leve. A prazo, iria também moldar a primeira fase da carreira do seu talentoso desenhador, na altura um miúdo de 16 anos.

   
           

Mário de Aguiar
 

No número de Setembro de Mãos de Fada reconhecia-se a nova publicação com a publicidade: "Para V. Exª Mãos de Fada. Para seus filhos O Mundo de Aventuras, a melhor revista para crianças". O Mundo de Aventuras, por outro lado, inseria o encantador (se bem que certamente ineficiente): "De vez em quando, com as suas economias, ofereça à sua Mãezinha a revista Mãos de Fada"...

O director d'O Mundo de Aventuras era, nessa época, o próprio Mário de Aguiar que, no entanto, não só não tinha experiência no campo, como também não devia ter disponibilidade para se dedicar à personalização do conteúdo. À semelhança da Mãos de Fada, cujo formato tablóide compartilhava, O Mundo de Aventuras tinha bom conteúdo mas praticamente nenhum texto – nem sequer a tradicional apresentação e declaração de objectivos que geralmente marca o primeiro número de qualquer revista!

   
           
  A concorrência era, em Agosto de 1949, como segue: O Mosquito, cujo formato era metade do d'O Mundo de Aventuras, oferecia oito páginas com cinco histórias de continuação e contos em texto por 1$00, mas estava em queda de qualidade e de vendas após uma cisão na equipa editora; o Diabrete, análogo, oferecia 16 páginas de um formato ainda menor, com cinco ou seis histórias também por 1$00; o delicioso Gafanhoto propunha 8 páginas de pequeno formato e cinco histórias por $50; O Guri brasileiro oferecia 68 páginas com histórias completas de vários heróis por 5$00 (preço de venda em Portugal); o Superman, também brasileiro, com 52 páginas e aventuras completas de cinco heróis diferentes, custava por cá 4$00. O Mundo de Aventuras, por seu turno, propunha dez histórias de continuação em 12 páginas com capa e contracapa a cores por 1$50, um bom negócio tendo em conta o formato, a quadricromia e a qualidade do conteúdo que incluía heróis como Flash Gordon, Johnny Hazard, Steve Canyon, Brick Bradford e Rip Kirby.    
           

 

 

O Mundo de Aventuras deve ter cumprido a sua função de servir de veículo à montagem de uma rede de distribuição. Mas, apesar de uma relação mais interactiva com os leitores a partir do nº 6 e de uma direcção mais disponível – assegurada por José de Oliveira Cosme a partir do nº 20 – o número de exemplares vendidos deve ter ficado aquém das expectativas já que a raridade da revista no mercado coleccionista comprova a sua limitada tiragem. Entretanto, em 1 de Abril de 1950, Aguiar & Dias tinha lançado no mercado a sua segunda iniciativa – a revista policial X-Magazine tendo como editor responsável António Dias, dirigida por José de Oliveira Cosme e publicada mensalmente ao preço de 5$00. O conteúdo era maioritariamente constituído por contos policiais, historietas, textos nacionais algo desconexos, etc, que saturavam páginas desprovidas de ilustrações. A capa, de Vítor Péon, tinha uma ilustração pouco cuidada em fundo azul-escuro... A revista, dada como grande novidade, única em Portugal, já não o era: competia com o Vampiro Magazine da Editora Livros do Brasil, cujo nº 1 fora lançado alguns dias antes, e que pelo mesmo preço oferecia mais páginas, muito mais contos de melhores autores apresentados com mais profissionalismo, e uma excelente capa de Cândido Costa Pinto. Desta vez a concorrência ganhava e o X-Magazine teve vendas decepcionantes.

Na Primavera de 1950 os saldos contabilísticos deviam ser pouco animadores e a continuação das edições próprias estava posta em causa sob risco da sobrevivência da própria empresa...

   
2006-01-18
...continua na História da Agência Portuguesa de Revistas - 2ª Parte

Agradecimentos

           
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